3. Planejamento estratégico participativo numa capital amazônica
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- Publicado el Lunes, 31 Mayo 2004 21:00
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EXPERIÊNCIA DE BELÉM DO PARÁ
Maria Lucia Refinetti Martins - Esta dirección de correo electrónico está siendo protegida contra los robots de spam. Necesita tener JavaScript habilitado para poder verlo.
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Programa de Integração América Latina
Universidade de São Paulo SP Brasil
1. PLANEJAMENTO E MODELO DE DESENVOLVIMENTO
As opções de modelo econômico assumidas por uma grande parte dos países nas últimas décadas privilegiam, em diferentes medidas, o mercado como força reguladora, mais do que o planejamento estatal. Sustentando ser a acumulação privada o potencializador do desenvolvimento e da prosperidade, tal modelo resulta em ser concentrador espacial e de renda, desde o nível local ao internacional e global.
Isso vem transformando o território numa rede de pontos formada pelas grandes cidades - que se articulam diretamente, estabelecendo entre si um sistema de fluxos, onde os diversos pontos acabam competindo entre si no objetivo de atrair investimentos e ampliar seu peso e raio de ação. Essa rede de pontos é menos densa e mais frágil, com menores condições de competividade nos países periféricos e mais ainda nas áreas mais pobres desses países.
O presente trabalho tem por objetivo discutir as condições de desenvolvimento e inserção no atual quadro econômico e de divisão social do trabalho das metrópoles de países em desenvolvimento, e as diferentes estratégias que essas cidades vêm adotando para melhorá-las. Países, cidades e regiões, na perspectiva de serem competitivos, adotam estratégias de oferecer aos potenciais investidores condições atrativas: renúncia fiscal; oferta de infraestrutura a baixo custo, disponibilização de fatores diferenciados, oferta de serviços especializados, cuja provisão passa a ser privilegiada. Para viabilizarem-se tais iniciativas é necessário, no entanto, que essa opção consiga angariar o acordo da sociedade - o “sacrifício” de hoje, por um futuro supostamente melhor - sobrepondo-se aos diferentes projetos, expectativas, interesses e conflitos dos diversos setores sociais e econômicos.
No plano da política urbana tal atitude assume formas designadas, entre outras, por “City Marketing”, “Empreendedorismo” e por “Planejamento Estratégico”. Esse último foi consolidou-se como método a partir da experiência de Barcelona, onde, antes de ser apenas um programa de promoção urbana, representou expressão e elemento simbólico do nacionalismo catalão, socialmente construído durante muitos anos (1). Foi no entanto, enquanto produto acabado e sem mediações, difundido pelo mundo, por meio de consultoria, como panacéia da inserção urbana nas novas condições econômicas e políticas.
O conceito de Planejamento Estratégico, de origem na prática militar, foi assimilado como técnica gerencial -instrumento analítico e decisório- pelo meio empresarial a partir de meados do século XX. Posteriormente seu uso se estendeu à gestão pública e, desde os anos 80, passou a ser aplicado também no campo do planejamento e da gestão urbana, com objetivo de reverter o quadro de declínio, degradação e desemprego decorrentes das transformações econômicas e sociais das últimas duas décadas. Se inserem no quadro da desesperada busca, por parte das administrações locais ou regionais, de expedientes para reversão dessas tendências negativas acima referidas, face ao abandono, pelos governos nacionais,das políticas de desenvolvimento.
Segundo Guell (2), a primeira cidade a elaborar um plano do tipo que se poderia designar por “estratégico” foi São Francisco, nos Estados Unidos, em 1982. Ao longo dos anos 80 o conceito se disseminou por outras cidades americanas, como Detroit e Nova York, entre outras.
Na Europa, às iniciativas mais pulverizadas, de desregulamentação do Planejamento em favor das exigências do mercado, iniciadas no período Thatcher ao final da década de 70, segue-se a experiência mais integradora, da Holanda que, na segunda metade da década de 80, adota uma estratégia regional de especialização do desenvolvimento de suas principais cidades, em que Rotterdam é o exemplo mais particularmente evidente.
A partir da experiência de Barcelona, em torno dos jogos olímpicos de 1992, o conceito de Planejamento Estratégico de Cidade se consolidou e foi exportado também para a América Latina através de Consultoria, servindo de referência direta a diversas cidades, entre elas Córdoba, Buenos Aires e Rio de Janeiro (3).
Enquanto as experiências em planejamento estratégico dos anos 80 tiveram um enfoque com ênfase no desenho, associado ao City Marketing, os planos do anos 90 incluem recursos da mesma natureza que os anteriores mas se pretendem mais abrangentes: visam melhorar as condições de competitividade das economias locais e o potencial de desenvolvimento de seus recursos e dos territórios circundantes.
Plano Estratégico é, segundo Borja (1996), a definição de um projeto de cidade que unifique diagnósticos, concretize atuações públicas e privadas e estabeleça um quadro coerente de mobilização e de cooperação dos atores sociais urbanos. Seu referencial teórico pode ser considerado o documento produzido por Jordi Borja e Manuel Castells para o Habitat II -As cidades como atores políticos (4)- texto que apresenta a cidade como um espaço de cooperação, onde o conflito pela apropriação de vantagens simplesmente desaparece. A cidade é apresentada como uma nova forma alternativa ao Estado, capaz de reduzir o impacto das oligarquias e inserir a ação coletiva/cooperativa (não mais o Estado), como a grande condutora dos projetos sociais. É como se com a descentralização e transferência de poderes às cidades e às instâncias locais, uma ampla “solidariedade” passasse a estar presente como num passe de mágica, e o conflito pela apropriação (caso não se queira designá-lo como de classe) simplesmente desaparecesse, a partir de processos de cooperação e parceria.
Mas de fato o que ocorre na cidade não é consenso mas algum tipo de hegemonia. Portanto o desenho do Plano Estratégico depende de quem o comanda. O apregoado “consenso” associado ao Plano, acaba sendo mais um dos eufemismos para dissimular a prevalência das prioridades dos grupos dominantes, veiculados como sendo universais - expressão do interesse e da vontade coletiva. É na verdade sempre um “consenso” comandado por determinado grupo, à maneira do Consenso de Whashington, onde a “mobilização”, a prioridade, acaba se dando em torno do objetivo de atrair capital internacional e empresas de alta tecnologia - e portanto o investimento no tipo de infraestrutura e condições que estas demandam.
Entrar nesse jogo pode, no entanto, ser arriscado, porque o capital multinacional está sempre em busca da localização mais lucrativa, podendo no futuro deslocar-se para outro município, outro estado, outro país, se estes oferecerem mais vantagens. Cidades que investiram pesado para atrair empresas multinacionais ou suas filiais acabaram por tornar-se prisioneiras de suas decisões iniciais, tendo sempre que incrementar sua oferta.
No Brasil, desde os primórdios da industrialização, a missão de promover e orientar o desenvolvimento econômico foi primordialmente do governo Federal e, pelo menos até 1980, o Estado Brasileiro assim agiu, o que não significa, em absoluto, que concretamente e de modo efetivo chegasse a favorecer uma condição de equilíbrio entre as diferentes regiões. A partir da nova condição global e da nova opção brasileira (particularmente a partir de 1995) o governo da União tem priorizado como missão, manter a macroeconomia em ordem e cuidar para que o meio ambiente econômico seja confiável e atrativo ao mercado, mesmo que isso implique em juros sempre elevados, que restringem o crescimento econômico.
Não fugindo à regra, o Brasil credita hoje seu desenvolvimento à atração do investimento externo, particularmente de empresas multinacionais, o que faz governos estaduais e municipais lançarem-se na disputa por novas plantas a golpes de incentivos e subvenções. Por parte das cidades a competividade se expressa também por propostas urbanas de modernização e qualificação. Como referencial pautam-se nos processos de City Marketing, do “Empreendedorismo” e do Planejamento Estratégico voltados a produzir e a divulgar condições urbanas adequadas às demandas dessas empresas.
A experiência catalã, designada por Planejamento Estratégico de Cidades, difundida e mundializada como procedimento de requalificação urbana e superação de com e imagens decadentes, mostra-se hoje associada à prática de um modelo que potencializa a transferência de recursos públicos do setor social para o grande capital internacional, ratificando no nível urbano a opção por um modelo Neo-liberal de desenvolvimento.
O presente texto tratará de um exemplo que, na esfera municipal e assumindo as limitações dessa condição, se contrapõe a esse modelo e ao correspondente paradigma urbano, lançando parâmetros de requalificação econômica urbana assentados em outras bases, com princípios e estratégias assumidamente opostos, que visam explicitamente priorizar o setor social. Essa contraposição será discutida a partir da experiência da cidade de Belém do Pará, principal capital da Amazônia brasileira. Serão observados seu desafios, dificuldades e alternativas adotadas.
Rejeitando o “processo natural” de concentração de capital e de tecnologia, decorrente do modelo econômico onde o mercado é a força reguladora, criando ilhas de eficiência e riqueza num predominante deserto de abandono - tanto em termos urbanos quanto pessoais, a proposta é de “construção de uma sociedade que seja rica, mas que a produção de riqueza não implique no aumento permanente da pobreza” (5).
Descartando a alternativa de “guerra fiscal” ou do aviltamento das tarifas públicas e do custo da infraestrutura para novas empresas de alta tecnologia, assume a postura de, contrapondo-se à defesa do “Estado mínimo” e à privatização dos bens públicos, ampliar a capacidade de planejamento e realização do setor público e fomentar canais de fiscalização do próprio governo, canais de controle social da estrutura administrativa municipal e atividades de prestação de contas em todos os níveis. Propõe-se encaminhar políticas econômicas alternativas, geradoras de emprego e renda, assumindo a questão social como o principal desafio ao próprio desenvolvimento econômico.
“A estratégia alternativa é voltar-se para dentro: criar condições para que a maioria das empresas que está na cidade continue e se expanda nela e, sobretudo, criar condições para que as micro e pequenas empresas se consolidem e desenvolvam e que novas empresas surjam, visando reintegrar à produção social todos aqueles que dela foram marginalizados, seja historicamente, seja pelos efeitos conjuntos da Terceira Revolução Industrial e do neoliberalismo global e nacional”(6).
Ao lado disso, outra proposição de Belém é esvaziar a associação unívoca entre método e objetivos, valorizando sim, a eficiência e a administração por objetivos, mas retrabalhando o conceito de eficiência, assim como situando os objetivos na inserção social, na qualificação da sociedade como um todo, não na criação de bolsões de modernidade e competividade, desconectados do conjunto social.
É nessas bases que se assenta o Planejamento Estratégico Participativo, de Belém, de modo bastante peculiar. Tendo em vista seus procedimentos e práticas, cabe discutir, afinal, quais os conceitos e métodos envolvidos nessa panacéia hoje em voga nos círculos urbanos sob a designação de Planejamento Estratégico.
O texto recorre aos resultados de uma investigação em profundidade sobre o desenvolvimento recente da cidade de Belém, avaliando as Políticas Públicas empreendidas pelo governo municipal no período 1997-2000 e seus impactos nas condições urbanas e na qualidade de vida da população local (7). A pesquisa desenvolveu-se a partir de dados estatísticos, documentos públicos e entrevistas com representantes do governo municipal, entre eles o Prefeito e principais Secretários.
A partir desse material procura-se aqui enfatizar a concepção de desenvolvimento e de inserção econômica adotada pelo Governo Municipal de Belém e o modo como tais princípios foram transpostos para a esfera administrativa e se expressam na formulação de um processo de planejamento e na concepção das políticas públicas.
2. O CONTEXTO DE BELÉM
Belém, capital do Estado do Pará localiza-se em plena Floresta Amazônica, a duzentos quilômetros do mar, na extensa área da foz do rio Amazonas, onde rios e mar formam uma extensa paisagem de água. O Município tem hoje 1,28 milhões de habitantes (Censo 2000) e uma área de pouco mais de 500 km2, dos quais 34% em área continental e 65 % de área insular, constituída de 43 ilhas. O tamanho das ilhas vai de poucos metros até os 200 km2 da Ilha do Mosqueiro, a maior delas. A área urbana inclui a quase totalidade do território continental e a faixa litorânea da Ilha do Mosqueiro. O restante, bem como todas as demais ilhas são zona rural.
Mais de 75% da população vive na zona urbana, no entanto a densidade média é bastante baixa: apenas 20% do território municipal tem mais do que 20 hab./ha. Há concentração apenas em alguns distritos centrais.
A cidade foi fundada em 1616 como posto avançado de defesa, representado pelo forte de São José . Em meados do século XVIII tinha 30 mil habitantes, chegando, com o esplendor da borracha a 120 mil em 1.900 (9).É dessa época a maior parte de sua bela implantação, com palacetes, edifícios públicos e parques em estilo europeu. Findo o ciclo da borracha a cidade entrou em franca decadência vivendo desde então o estigma da “cidade que já teve”.
Belém é o município central de sua Região Metropolitana (RM), criada pela primeira lei nacional referente a Regiões Metropolitanas: a Lei Complementar 14, de 1973, que delimitou a Região Metropolitana de Belém como formada pelos municípios de Belém e de Ananindeua. A Lei Complementar 27, de 1995, incorporou à Região os Municípios de Benevides, Santa Bárbara do Pará e Marituba, sendo esses dois últimos criados por desmembramento de Benevides, respectivamente em 1993 e 1997. Desse modo, a Região Metropolitana é hoje constituída por cinco Municípios: Ananindeua, Belém, Benevides, Marituba e Santa Bárbara do Pará.
Em 1993, houve entre Belém e Ananindeua um acerto de limites, que representou a transferência de quase 15% da população de Belém para Ananindeua. Considerando-se que o censo é de 1991 e a contagem populacional de 1996, toda essa transformação de limites, criação de novos municípios e ampliação da Região Metropolitana se deu nesse período intercensitário, o que torna a identificação da série histórica de crescimento populacional bastante complicada.
Em termos econômicos, Belém, ainda que com um PIB e uma renda média familiar das mais baixas entre as capitais brasileiras, é um importante centro regional, centralizando, portanto, toda a atividade comercial e de serviços especializados de ampla região, particularmente no que se refere à indústria extrativa no Estado do Pará. Isso envolve desde serviços de informática a financeiros, médico-hospitalares e educacionais, delineando, assim, sua principal atividade econômica, tanto em termos de movimentação de recursos quanto de emprego. O Turismo e o Lazer crescem progressivamente. Também são consideráveis a produção de açaí, de hortifrutigranjeiros e a indústria de móveis.
Segundo estudo recente sobre a rede urbana brasileira (10), que classifica as cidades por atendimento à demanda regional, Belém é enquadrada como de terceiro nível:
Metrópoles Globais: São Paulo e Rio de Janeiro
Metrópoles Nacionais: Brasília, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte,
Curitiba, Porto Alegre
Metrópoles Regionais: BELÉM, Goiânia
Centros Regionais: as demais capitais estaduais mais Santos, S. José dos
Campos e Ribeirão Preto (todas no estado de São Paulo)
Centros Sub Regionais: são as diversas cidade médias (quase uma centena)
Segundo o ranqueamento do tamanho do mercado (Índice de Potencial de Consumo - medida em porcentagem do poder de compra das famílias da cidade em relação ao total do Brasil), do Atlas do Mercado Brasileiro (11), Belém responde por pouco menos de 0,5%, enquanto outras capitais como Porto Alegre e Curitiba, com populações semelhantes, respondem respectivamente por 2,4% e 2,3% do mercado brasileiro.
Os quadros abaixo dão uma imagem precisa de suas condições específicas e comparadas com o restante do Brasil.
Evolução do Valor Adicionado - Município de Belém
|
Valor Adicionado (em mil reais) |
População |
Valor adicionado per capita (R$) |
PIB/capita do Estado do Pará (1) |
1996 |
2.972.803 |
1.144.312 |
2.598,00 |
3.389,00 |
1997 |
3.487.122 |
1.160.181 |
3.006,00 |
3.240,00 |
1998 |
3.056.014 |
1.173.534 |
2.604,00 |
- |
Fonte: SEFIN, Prefeitura Municipal de Belém, publicação DOE - valor adicionado definitivo
(1) web IBGE, contas regionais, tab 3 - 25/06/00
Valores em reais de dezembro de 1999. aproximadamente 1 R$ = 0,5 U$
Distribuição de Renda
Porcentagem de famílias por faixa de renda, população urbana
|
Total de famílias |
0 - 2 SM |
2 - 5 SM |
5 - 10 SM |
10 -20 SM |
+ 20 SM |
Sem informação |
1996 |
257.153 |
25,2 |
29,1 |
21,4 |
13,1 |
10,1 |
1,1 |
1998 |
268.305 |
31,9 |
30,6 |
17,2 |
10,7 |
8,2 |
1,3 |
1999 |
270.690 |
33,5 |
29,8 |
18,8 |
10,3 |
6,7 |
0,9 |
Fonte: PNADs 96, 98 e 99, tabelas 6.1 População urbana de Belém + Ananindeua
Qualidade de vida
% de: |
Belém |
Região Norte |
Brasil |
São Paulo |
Rio de Janeiro |
famílias com renda até 5 SM |
63,3 |
64,1 |
59,8 |
37,3 |
46,7 |
famílias com renda superior a 20 SM |
6,7 |
4,3 |
5,9 |
11,4 |
9,0 |
domicílios com mais de 2 moradores por domicílio |
38,7 |
36,5 |
25,7 |
32,0 |
22,2 |
domicílios sem geladeira |
14,7 |
19,3 |
17,2 |
2,3 |
2,0 |
domicílios com canalização interna de água de rede |
76,8 |
61,0 |
76,1 |
97,4 |
92,0 |
domicílios com coleta de esgotos na rede |
7,7 |
8,2 |
43,6 |
82,4 |
58,9 |
pessoas de 10 anos ou mais com menos de 4 anos de estudo |
21,3 |
32,7 |
31,7 |
18,1 |
20,1 |
Fonte: PNADs 1999
Os dados referem-se às Regiões Metropolitanas conforme consideradas no Censo 91. Para Belém e Região Norte, diferentemente das demais, é computada apenas a população urbana.
Em termos de perspectivas cumpre ressaltar que, dos investimentos programados, para o período entre 1998 e 2005, conforme aponta levantamento do mesmo Atlas do Mercado Brasileiro 2000 (12), o Pará tende a receber principalmente aqueles destinados à construção da Hidroelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, e ao setor de mineração. Só os dois setores representam 90% do investimento previsto. Todos os demais setores são contemplados com um montante que não passa de 7,9% do PIB estadual, o que significa que muito pouco é dirigido para as cidades e em particular para Belém.
3. O PROJETO IMPLEMENTADO
Capital de uma região historicamente marcada pelo comando de poucas famílias, a cidade elegeu como Prefeito para o mandato de 1997 a 2000 o Arquiteto Edmilson Brito Rodrigues. Professor universitário com título de Mestre pela Universidade Federal do Pará e autor de livros, apresenta-se com uma complexa proposta urbanística, cultural e de utopia social, em cujas bases define e começa a implementar a inserção de Belém no atual contexto econômico e social.
Eleito pela coligação de esquerda Frente Belém Popular, composta pelo PT, PCdoB, PPS, PSTU e PCB e liderando uma equipe jovem e aguerrida, Edmilson apresenta uma proposta absolutamente contemporânea, incorporando metodologias que promovem eficiência e produtividade - nos mesmos moldes em que as grandes empresas não se cansam de valorizar; e ao mesmo tempo, absolutamente de esquerda em seus objetivos e perus - é simultaneamente um Projeto Político e um Projeto Urbano.
Quanto à formulação da Políticas Públicas municipais, no dilema entre eqüidade e lógica do mercado, procura rejeitar posições maniqueístas, assumindo que o necessário é questionar e requalificar a definição de eficiência. A discussão e as respostas apresentam-se incorporadas à definição de critérios quantitativos ou qualitativos que permeiam o planejamento e gestão.
A particularidade e o interesse das experiências implementadas em Belém é que, se por um lado o Município não se constitui em um poder totalmente independente no campo institucional, mas vinculado ao pacto federativo, por outro, ao ter em sua natureza a materialidade e a responsabilidade sobre esse artefato chamado Cidade, faz com que o governo municipal, obrigatoriamente, circule num espaço que vai da gestão pública ao projeto - o modelo de cidade - que, em sua tradição, lida com o espaço, a cultura e a utopia social.
Enquanto modelo de gestão pública, Belém adota o princípio da gestão participativa, implementando-a de forma alternativa tanto ao tradicional modelo burocrático quanto ao mais em voga atualmente, utilizado particularmente pelas concessionárias de serviços - o modelo gerencial, pautado no gerenciamento por objetivos, concebendo o cidadão como consumidor. Tendo como fundamento os instrumentos de gestão empresarial e como conceitos básicos, a eficiência, a racionalização dos processos e a relação custo-benefício, pratica uma administração com vistas ao Desenvolvimento Humano e à promoção do cidadão enquanto agente. Daí, a importância paradigmática de sua forma de assumir o “Planejamento Estratégico Participativo”, conforme veremos ao longo deste texto.
No que se refere especificamente à Política Urbana, a proposta é “enfrentar a deterioração urbana e a reduzir os contrastes entre o centro e a periferia urbana, recuperando a identidade da cidade, por meio da valorização de seu patrimônio histórico e arquitetônico e da paisagem da baia do Guajará” (13).
A perspectiva desse processo é contribuir para devolver à Cidade de Belém o lugar de centralidade política, cultural e econômica que até o primeiro quartil do século XX ocupou no contexto regional, afirmando-a enquanto espaço e síntese de aspectos culturais específicos na Amazônia.
O governo municipal apresenta a sua proposta para a cidade por meio do conjunto de programas e projetos que se consubstanciam em “Marcas de Governo”. Essas Marcas são: Dar um futuro às Crianças e aos Adolescentes, Saúde para Todos, Sanear Belém, Revitalizar Belém, Transporte Humano, Participação Popular.
É com essa linha de ação que a gestão se propôs a praticar um governo que promovesse a inclusão social e a modernização de Belém. Em torno das “Marcas” estruturou todo um quadro de Políticas Públicas apoiado na idéia de que viabilizar o desenvolvimento da Cidade, tanto quanto do País, passa pela implementação de uma transformação cultural: a ampliação da capacidade do povo em conduzir seu próprio destino. Isso se traduz na criação de oportunidades para todos os segmentos sociais, particularmente às novas gerações e na promoção da ampliação da auto-estima e da responsabilidade individual e coletiva.
Mas o desenvolvimento e modernização passam também, e fundamentalmente, pela construção de um modelo de administração eficiente, cujo produto e produtividade possam ser aferidos, mas onde o conceito de eficiência observe o resultado global, não a redução de custo de algum serviço específico, que acaba resultando no aumento do custo ou no prejuízo social em outro setor.
É a partir dessas duas linhas básicas - ampliação e democratização de oportunidades e redefinição dos conceitos de Modernidade e de Eficiência que se estruturam as bases dessa proposta onde o modelo institucional é parte essencial do projeto.
Ampliação e democratização das oportunidades
As políticas publicas desenvolvidas em termos de Marcas de Governo expressam algumas atitudes claras da administração no sentido de ampliar as oportunidades oferecidas aos setores socialmente mais frágeis, na perspectiva de desenvolver possibilidade de sucesso e realização individual.
Dar um Futuro às Crianças assume que a grande questão do desenvolvimento social, particularmente no que se refere à criança, mais do que as carências e a falta de renda, o que mais pesa e cristaliza o apartamento social, é a falta de oportunidades. Nessas bases, foi construída uma política voltada para a oferta de oportunidades, incluindo elementos que induzam ao bom aproveitamento da oportunidade. Ao mesmo tempo em que cria oportunidades, engendra a criação de um tecido social mais denso. A integração da criança na escola se faz pela família e pelo fortalecimento de seus laços sociais, ao mesmo tempo em que a incorporação da criança ao Programa, envolve os adultos da família num processo de capacitação e inserção no mercado de trabalho. Representa importante ação no sentido da mudança cultural, da superação do paternalismo e do clientelismo: ao mesmo tempo em que é oferecida a oportunidade, como direito do cidadão, não como donativo, é cobrada a autonomia, o empenho e a responsabilidade pela construção do próprio futuro.
A outra marca de abrangência multi-setorial é revitalizar Belém. Tem também a dimensão de construção do tecido social: o resgate da história e da cultura local, numa perspectiva de enraizamento e da construção da auto-estima. Valoriza os espaços simbólicos mais importantes (do Ver-o-Peso e do contato com o rio aos palacetes do esplendor da borracha), as tradições culturais (o Círio, bois e pássaros, as danças), personagens de destaque na construção da história e da cultura local (Maestro Waldemar Henrique) e a Cabanagem (histórica experiência local de governo popular).
Mas é também uma proposta modernizadora, de reinserção da Cidade no novo quadro econômico nacional e internacional. “Embora pareça paradoxal, o futuro da Cidade de Belém está depositado no seu passado, ou seja, na sua formação sócio-cultural. O arranque necessário que Belém precisa dar para conquistar um espaço no futuro do Brasil e do Mundo, passa, necessariamente, pelo reencontro da Cidade consigo mesma, com seus ícones, com suas lembranças e também com seus esquecimentos. A conquista de uma consciência crítica e interpretativa das diversas cidades que historicamente compuseram a Belém de hoje, é o passaporte necessário para a construção do seu futuro. É necessário superar o estigma ‘Belém que já teve’” (14).
O Turismo e a promoção dos negócios são vistos como fundamentais na construção dessa ponte. A Marca Revitalizar Belém inclui também ações de desenvolvimento econômico: cursos de capacitação, Banco do Povo, apoio à formação de Cooperativas de produção e de serviços, promoções em parceria com a iniciativa privada, redução da alíquota do IPTU para imóveis que abrigam atividades econômicas, entre outras.
Eficiência e Modernidade do conjunto
De modo articulado ao mesmo projeto político, delineiam-se os parâmetros e o modelo de modernização e desenvolvimento em que modernização é entendida como superação do arcaico, particularmente em termos de relações sociais: a promoção da justiça social e a valorização da integridade da pessoa e do respeito à natureza (natureza humana e meio ambiente).
A eficiência é vista como a eficiência do conjunto: se a criança bem alimentada adoece menos e dispensa internação, então, a boa merenda escolar pode ser mais eficiente do que um sofisticado aparato curativo. Do mesmo modo, a realização de exames clínicos para detectar a bactéria exata é mais eficiente do que receitar pesada dose de medicamento de amplo espectro. A inovação é, assim, colocar a qualidade de vida integral, do indivíduo e de toda a sociedade, como a medida da avaliação do custo-benefício.
Esse tipo de formulação vem sendo incorporada em algumas situações nos mais diversos lugares do Planeta, particularmente a partir da Eco 92 e da definitiva entrada da questão ambiental na agenda do desenvolvimento.
Diversos autores (15) defendem a idéia de uma “Economia Sustentável” que, em lugar de somar positivamente para efeito de cálculo do Produto Interno Bruto valores de despesas por exemplo com combate à poluição, buscam deduzir esse tipo de custo e por outro lado somar à equação categorias de despesas que contribuem para o bem estar mas que tipicamente não são computadas. Por exemplo prejuízos à saúde por falta de algum recurso público ou poluição, má distribuição de renda e gasto de recursos não renováveis são deduzidos da conta, enquanto o trabalho doméstico, voluntariado, por exemplo, são acrescidos. A lógica, no limite, é que, numa condição estrutural onde o discurso da eficiência e produtividade prevalece, atribuindo um valor - uma visibilidade econômica - a esses fatores, seus efeitos negativos serão mais imediatamente reconhecidos, ao mesmo tempo em que os benefícios da sustentabilidade social e ambiental serão considerados rentáveis e, portanto, medidas de eficiência. Semelhante linha de demonstração é utilizada também na Inglaterra, particularmente pelo grupo associado à New Economics Foundation.
Absolutamente fora desse debate e longe da preocupação de atribuir um valor econômico ao Bem-Estar Social, mas assumindo a importância da sustentabilidade, a proposta de Belém privilegia ações visando a conservação de energia, sustentabilidade e equilíbrio ambiental.
Em síntese, observa-se da parte do governo Municipal um padrão rígido, inegociável, em relação aos propósitos de inclusão social ampliando oportunidades e ao projeto de assegurar a transparência na utilização dos recursos públicos e seu controle social. No entanto, para implementá-lo recorre a procedimentos de gestão os mais flexíveis, oriundos da empresa privada e do mercado - o Planejamento Estratégico e o Gerenciamento por Objetivos, adequando os métodos aos objetivos e prioridades politicamente definidos.
4. MODELO INSTITUCIONAL - PLANEJAMENTO ESTATÉGICO PARTICIPATIVO
O modelo institucional adotado entrelaça procedimentos de relação com a sociedade e procedimentos internos de gestão. A relação com a sociedade envolve diversas formas e espaços de participação da sociedade que vão do Orçamento Participativo ao acompanhamento e fiscalização de obras.
Definida desde o Plano de Governo, a implantação do Orçamento Participativo - prática já bastante desenvolvida em administrações petistas (16) e mesmo de outros partidos - foi o primeiro passo no sentido de responder à quantidade de carências acumuladas. Se considerarmos, como Singer (17), que “governar significa captar uma parcela nada pequena da renda social e destiná-la a determinados gastos, que podem atender necessidades de alguns grupos e não de outros”, o Orçamento Participativo representa já uma forma de democratização do governo e ao mesmo tempo uma forma de planejamento. Mas abrange apenas aqueles aspectos sobre os quais a municipalidade atua. Na perspectiva de ir além e de propor à sociedade um projeto mais amplo do que o mero dia-a-dia que é tradicionalmente dado às prefeituras equacionar, o governo municipal de Belém lançou-se a articular outras instâncias que interferem no desenvolvimento urbano, desde outras esferas de governo, à iniciativa privada local, organizações sociais e inclusive os meios internacionais de formação de opinião.
Na condução desse Planejamento tem importante papel o Congresso da Cidade, constituído a partir do final de 1998, abrindo um canal e dando mais clareza à incorporação da participação da sociedade no Planejamento Estratégico que o governo adotou para construir e acompanhar seu plano de ação, ainda na preparação da posse.
O desenho peculiar dado ao Planejamento e ao seu desdobramento em ações é, certamente, uma das importantes inovações apresentadas pelo Governo de Belém. Consiste numa formulação abrangente, que moderniza a administração municipal, politiza sua ação e encara o Município como espaço de proposição de um modelo de desenvolvimento.
O Planejamento Estratégico, no plano interno, do funcionamento do Governo, define alguns conceitos e procedimentos (18):
Ações/atividades/subatividades/tarefa: refere-se àquilo que deve ser feito para viabilizar produtos e resultados;
Avaliação: instrumento necessário, deve oferecer informações que permitam que o plano seja avaliado e novas decisões possam ser tomadas;
Desafio: expressão da vontade de criar uma realidade nova ou superar uma realidade indesejável;
Dificuldade: obstáculos que impedem uma prática desejada;
Estratégias: mudança imediata para alcançar a situação objetiva do plano. Deve responder à questão: que operações do plano são viáveis hoje? É possível construir viabilidade a operações que hoje não o são?;
Indicador de desempenho: é uma operação matemática, que mede numericamente atributos de um processo ou seus resultados, visando compará-los a metas;
Marca: refere-se às questões centrais relevantes para que o governo tenha uma identidade;
Missão: é a razão de ser da organização, é definida pelos fins. Deve exprimir sua vocação e a natureza de suas atividades;
Operação: são os módulos básicos e práticos de ação que mudam um resultado, caracterizam-se por utilizar variáveis sob o controle do ator, provocando um resultado;
Prazo: data limite para finalizar um produto;
Produto: é a concretização de ações/atividades, marca etapas intermediárias no caminho para atingir os resultados;
Recursos: podem ser de diversas naturezas, poder político, econômico, conhecimento, organização, administração, comunicação, informação e mobilização.
Para implementar esses procedimentos, a administração se estrutura por meio de colegiados, com a seguinte composição:
Colegiado de governo: Colegiado máximo, de decisão. É composto pelo Prefeito,Vice Prefeito, Coordenadores das Marcas e demais Secretários Municipais, Dirigentes de Órgãos da Administração Indireta e Administrações Regionais. Deve reunir-se, ordinariamente, uma vez por semestre;
Comitê Executivo do Plano: colegiado operacional, com papel de Coordenador Executivo das Marcas. É formado pelos Coordenadores de Marcas, Secretário de Planejamento e Gestão, Secretário de Finanças e Chefe de Gabinete do Prefeito. A CRC (Coordenação de Relações com a Comunidade) participa também - mais como acompanhamento e observação;
Colegiado da Marca: É composto por todos os dirigentes dos órgãos setoriais envolvidos com a Marca, Administradores Regionais e dois membros do COP. Deve reunir-se mensalmente;
Coordenador da Marca: Secretário Municipal designado como responsável por coordenar a execução da Marca, buscando integrar os Órgãos setoriais e regionais de acordo com as ações programadas para a Marca, inserindo-a no contexto geral das demais Marcas;
Gestor Técnico da Operação: Secretário Municipal responsável pelas ações setoriais e regionais, vinculado à Marca, executando as atividades previstas no Planejamento Estratégico Situacional da Marca;
Responsável pela Atividade: são as instâncias de implementação técnica, correspondendo aos departamentos e seções dos órgãos setoriais que executam os projetos.
A incorporação de técnicas gerenciais ao processo de planejamento estratégico situacional é adotada, tendo como pressupostos a concepção participativa nas ações desenvolvidas pelo gestor público municipal. É assumida a necessidade de construir instrumentos objetivos, capazes de efetivar o gerenciamento e o monitoramento da gestão pública municipal, sem, no entanto, descartar o aspecto da subjetividade política dos atores sociais enquanto formuladores e avaliadores das políticas públicas.
Apenas um bom planejamento não garante a consecução dos objetivos e resultados do projeto; a realidade muda e a execução tem que ser alterada. Por isso, o planejamento deve ser sempre avaliado em relação às suas mudanças. Baseado nessa concepção de planejamento é que foi formulada a proposta de gerenciamento e monitoramento, baseada na Sala do Plano, para viabilizar um processo contínuo de acompanhamento, controle e avaliação das ações desenvolvidas pelas Secretarias Municipais, Administrações Regionais e órgãos da Administração Indireta de maneira a garantir o sucesso total e implementação das políticas setoriais previstas nas Marcas de Governo.
O mecanismo central do monitoramento e gerenciamento é a Sala do Plano, sistema de acompanhamento do Planejamento Estratégico, que é uma matriz, organizada de modo a facilitar a visualização global das operações/ações/atividades, possibilitando identificar responsáveis, apoios, prazos, recursos e agilizando a tomada de decisão.
Mas a partir daí já surge a primeira re-interpretação do Planejamento Estratégico: a inclusão da população no monitoramento. Voltando ao princípio desse item: se governar é tomar decisões, incluir a população nessa tarefa é efetivamente democratizar o governo. A estrutura de decisão incorpora esse parceiro ou agente nos procedimentos administrativos. Assim, não se trata de “ouvir” a população, mas de incorporá-la no processo de decisão e gerenciamento.
A re-interpretação não pára por aí; inclui no sistema de monitoramento a aproximação das metas desejadas, que são a qualificação das condições de vida do setor popular, estabelecendo como metas, os eixos temáticos: Desenvolvimento Econômico, Identidade Cultural, Inclusão Social, Dinâmica Urbana, Meio Ambiente e Sustentabilidade. São os parâmetros usados como referencial para a avaliação das políticas públicas.
Cada Marca de Governo, assim como cada um de seus programas e propostas, deve ter relação com algum ou alguns desses eixos. Sua avaliação e monitoramento se dará a partir do quanto realiza o objetivo do eixo, em que medida faz com que a situação social se aproxime desses objetivos.
Nesses termos, na avaliação de cada Marca, de cada Política Pública, devem ser observados: produtos que espera alcançar, etapa, quais os eixos temáticos a que se relaciona e em que medida os produtos obtidos e seus impactos se aproximam desses objetivos.
A idéia pode ser ilustrada com o seguinte esquema, onde em cada cruzamento devem ser registrados e avaliados os impactos do Programa ou Projeto sobre aquele eixo temático / objetivo:
|
Desenvolvi-mento Econômico |
Identidade Cultural |
Inclusão Social |
Dinâmica Urbana |
Meio Ambiente e sustentabilidade |
Marca 1 Programa 1a Programa 1b Projeto 1c |
x x |
x
x |
x x x |
x |
x x |
Marca 2 Programa 2a Projeto 2b Projeto 2c |
x x |
x x |
x
x |
x x |
x x x |
Essa avaliação acaba sendo qualitativa, tanto pelo seu desenvolvimento ainda inicial em que faltam instrumentos mais definidos de medida e indicadores, mas principalmente porque estabelecer um acompanhamento da evolução das condições de vida e do desenvolvimento urbano em Belém é empreitada hoje quase impossível. A equipe de governo procedeu a um enorme esforço de produção de dados e de regionalização de informações. Efetivamente, produziu esses dados de forma distritalizada, subsidiando os debates e decisões do Orçamento Participativo. No entanto, é extremamente difícil balizar tais dados com as condições existentes antes do início da gestão. Diversos são os fatores intervenientes (19).
Para superar essa fragilidade, diversas iniciativas vem sendo tomadas o Cadastro Multifinalitário, em fase final de execução, bem como o Projeto “Belém Rede Local” (do setor do Bem-Estar Social da Criança e Adolescente), com apoio do BNDES e a recém-inclusão da Cidade no Programa de GUO (Global Urban Observatory) das Nações Unidas, que visa à produção de indicadores de qualidade de vida urbana, são elementos fundamentais para a democratização do acesso às informações e à própria definição, monitoramento e fiscalização das políticas públicas.
O Cadastro Multifinalitário, foi elaborado com as técnicas mais atualizadas de ortofotos, acompanhadas de levantamento de campo, resultando em três importantes instrumentos: uma cartografia absolutamente atualizada e completa, uma planta genérica de valores acessível e de fácil utilização e atualização, além de um detalhado cadastro de imóveis, infra-estrutura, população e dados sócio-econômicos, que possibilitará inclusive um cotejamento com os resultados do Censo 2000, em processamento. O Projeto “Belém Rede Local”, destinado a melhorar as condições de atendimento às crianças do Município, contém importante procedimento de cadastramento e acompanhamento das condições de vida das crianças que procuram serviços municipais de qualquer natureza.
5. AVALIANDO A EXPERIÊNCIA
A inserção do Congresso da Cidade no centro (ou melhor dizendo, no topo) do Processo de Planejamento é o que se poderia esperar de um governo que se propõe a fazer Planejamento, sem ser tecnocrático nem populista. No entanto, a criação de um fórum envolvendo os diversos setores sociais é preceito da maior parte dos Planos Estratégicos de Cidade, com objetivo a produção de consensos. Na prática, correspondem à tentativa de construir um “pensamento único”, normalmente desenvolvido a partir da ótica dos setores hegemônicos, num desenho em que se abriria mão de benefícios sociais no presenta, direcionando os investimentos à promoção de condições atrativas às empresas, com vistas a um melhor desenvolvimento futuro. Qual a diferença, então, em Belém ?
Conforme expresso anteriormente, na parte inicial do trabalho, numa sociedade múltipla, de espectro extremamente amplo e péssima distribuição de renda, a procura de um consenso resulta quase sempre na construção de um consenso comandado pelos setores hegemônicos, de maior poder econômico. O que Belém procura fazer, designando por “inversão de prioridades” é a inversão do comando do consenso, focando-o nas demandas (mais imediatas) dos setores populares, tradicionalmente excluídos da definição das prioridades do investimento governamental.
É, talvez, pela radicalidade da defesa dessa opção que Belém respire hoje um ar metropolitano, da diversidade, da crítica e da criatividade, que o coronelismo, o autoritarismo e a indução do pensamento único, costumam entravar, tanto em Belém quanto em todo o País. O arcaismo das relações sociais no Brasil tem sido dos maiores responsáveis pela dificuldade do País em dinamizar-se, em modernizar-se. É bom lembrar que a escravatura não se encerrou no País exatamente por uma pressão humanitária mas quando se mostrou um modelo tão anacrônico, tão travado e sem dinamismo que levou a estagnação econômica a níveis insuportáveis.
Parece tradicional no País que, na falta de recursos, em lugar de acionar-se a criatividade e a busca em outros horizontes, haja uma reação por parte dos setores com poder, no sentido de concentrar sobre si o pouco existente. Ora, a defesa “de uma sociedade rica em que a geração de riqueza não implique no aprofundamento e perpetuação da miséria” só pode ser feita na base da “metropolização” do pensamento e do espaço político. Se no plano nacional, mais amplo, mecanismos de concentração podem não ser muito perceptíveis, na cidade - expressão viva da cultura material - esses mecanismos são mais do que presentes e o espaço urbano, como bem demonstra Flávio Villaça, (20) explicita visivelmente os processos de segregação e de concentração de investimentos.
Relativamente à produção do espaço urbano, os grupos de poder tendem a se fazer representar nos governos e a articular diretamente nas mais altas esferas suas prioridades, que acabam se transformando nas “prioridades urbanas”. Ao romper essa lógica buscando ampliar o número de partícipes nas demandas e prioridades municipais, a Administração Municipal amplia horizontes e perspectivas. Assim, ao abrir melhores oportunidades a grupos excluídos, à medida que os inclui, dinamiza a cidade, sua economia e o ambiente geral de desenvolvimento - e aí surpreende a todos com um belo surto de desenvolvimento e de metropolização, de que todos os setores sociais se beneficiam. Não é de se surpreender que no estudo “Os 100 Municípios mais dinâmicos” - Gazeta Mercantil, Belém demonstre um processo de ascensão, passando do 29o lugar em 1999 para o 22o lugar em 2000 (21). A grande mágica parece ser a de fomentar a negociação cuja soma não é zero, mas onde há algum ganho para todos. Nisso o governo municipal mostrou habilidade, conseguindo articular um pensamento e uma ação positivos, que vão além dos limites do Município. Essa atitude parece tornar visível e fazer crer ao conjunto da sociedade que a dimensão da exclusão e da precariedade levam a uma condição de estagnação da sociedade que, no caso da Cidade de Belém, se não for rompido, impede que a cidade mude de patamar de desenvolvimento e de dinamismo econômico.
Assim, um dos méritos da gestão municipal de Belém - reconduzida a partir de 2001, é recorrer a todas as “modernidades” dos métodos da “administração eficiente”, mas tendo como medida a inclusão social, a qualidade de vida e o respeito ao meio ambiente. Em lugar da cidade como commodity, busca valorizar o “lugar” como socialmente apropriado e com identidade diferenciada. É aí que a proposta urbana se qualifica enquanto modelo e se constrói enquanto alternativa na disputa por hegemonia.
“Os governos das grandes cidades estão disputando investimentos e recursos humanos para alavancarem seus projetos, atuação esta que vem incorporando novas formas de planejar e gerir a coisa pública, seja através de parcerias com a sociedade civil, seja através de formas inovadoras de planejamento participativo, ou ainda através de consorciamento com outros, os governos das grandes metrópoles têm assumido um papel cada vez mais importante no processo de reordenamento das funções econômicas e culturais por que as cidades estão passando atualmente. São essas formas inovadoras de atuação que estão imprimindo um caráter particular a alguns governos municipais, permitindo que se estabeleçam diferenças qualitativas entre cidades de uma mesma escala demográfica ou de um mesmo país” (22).
No entanto, não se tenha ilusão quanto à dimensão do alcance desse tipo de iniciativas locais. Por mais significativas que se mostrem, são bastante frágeis e insuficientes para contrabalançar os efeitos de modelos nacionais de desenvolvimento econômico, concentradores de renda e inibidores de investimentos nas áreas sociais.
É justamente aí que a experiência de Belém se posiciona e se diferencia - ao assumir com clareza a construção de um projeto alternativo sobre o qual se torna possível estruturar um novo modelo - “Se a prática do Orçamento Participativo representou um salto qualitativo sem precedentes na constituição de uma democracia participativa e popular na história política de Belém, um grande passo para que a cidade pudesse responder pelas enormes carências sociais acumuladas, ainda assim ficavam outras questões importantes a serem solucionadas. Como Belém poderia retomar o fio do desenvolvimento, perdido há décadas? Como e quais seriam as alternativas para a cidade gerar meios no sentido de prover um desenvolvimento sustentável, sem comprometer os compromissos sociais deste governo? Como equilibrar os desafios do desenvolvimento com a promoção da justiça social, da sustentabilidade ambiental, entre outras questões? Como elaborar uma agenda de desenvolvimento que não fosse um mero plano tecnoburocrático mas que estimulasse a participação social de forma criativa e emotiva?” (23).
Nessa perspectiva, foi formulado o Congresso da Cidade, fórum para debater e formular um projeto estratégico para a cidade orientado por referências próprias, resgatando as especificidades sócio-culturais que situam Belém como um fato singular no cenário urbano-metropolitano brasileiro.
A expectativa desse processo é contribuir para devolver à Cidade de Belém o lugar de centralidade política, cultural e econômica que sempre ocupou no contexto regional, afirmando-a enquanto espaço síntese de aspectos culturais específicos na Amazônia.
Assim como no Orçamento Participativo, o Congresso da Cidade busca incorporar todos os segmentos sociais comprometidos com a afirmação de uma imagem positiva para Belém, mas o governo municipal assume uma postura propositiva, apresentando sua proposta para a cidade através do conjunto de projetos e realizações que consubstanciam as Marcas de Governo.
A proposta em relação ao Congresso da Cidade - aperfeiçoado para ser mais abrangente, para o novo período de mandato ora iniciado - foi e continua sendo a de que, inserindo-se na esfera do planejamento participativo já em curso no governo, pudesse reorientar as ações do governo, ao incorporar projetos que não constam dos objetivos setoriais básicos, agregando ao plano de governo propostas que não encontram tradução administrativa em outros fóruns existentes (24). O processo participativo tem em vista que “o povo, percebendo seu papel como sujeito, rompa com a cultura política da manipulação, do clientelismo, do assistencialismo.”
Como se vê, é um projeto estratégico sim, mas um projeto que privilegia a inclusão social, marcando assim sua proposição diversa da prática que vem embasando o Planejamento Estratégico de Cidades, em que essência é admitir a cidade como um perfeito “núcleo de cooperação” onde inexistem conflitos pela apropriação. A maior parte das experiências metropolitanas de Planejamento Estratégico de Cidades organiza seus modelos “a partir” das demandas do capital, particularmente do tipo de necessidades espaciais e de infra-estrutura das grandes empresas internacionais.
Belém privilegia a qualificação das condições de vida do setor popular, estabelecendo como eixos temáticos: Desenvolvimento Econômico, Identidade Cultural, Inclusão Social, Dinâmica Urbana, Meio Ambiente e Sustentabilidade. São os parâmetros usados como referencial para a avaliação das políticas públicas, conforme explicitado anteriormente. É em relação a esses objetivos que a eficiência deve ser avaliada. Em síntese, o que pode iluminar com sua prática é que uma cidade, assim como uma região ou um país, pode ser moderna e eficiente, sem ser neoliberal, inserindo-se na divisão internacional do trabalho de maneira mais favorável.
É uma experiência cujos impactos será muito interessante avaliar já que existe no Brasil uma avaliação qualitativa (infelizmente ainda não se realizaram trabalhos de medida desse tipo) de que no país a distribuição de renda se dá menos na esfera da produção (cujo controle e comando está na esfera de atribuições do governo federal) do que na reprodução - via equipamentos de consumo coletivo, cuja atribuição é dos governos estaduais e locais.
6. NOTAS
(1) É o que se depreende de palestra proferida por Juan Busquets: A dialética das centralidades. FAU-USP, 13/04/1999. Disciplina: Seminários de História da Cidade e do Urbanismo
(2) GUELL, J.M.F. Planificación Estratégica de Ciudades. Barcelona, G.Gilli, 1997
(3). PÓLIS. Avaliação de Experiências de Planejamento Estratégico de Cidades. São Paulo, Pólis, 1999
(4) texto extraído de relatório preparado para a Conferencia Habitat II e publicado na revista Novos Estudos, nro 45, julho 1996.
(5) Entrevista concedida pelo Prefeito Edmilson Rodrigues a Pep Valenzuela em 22 jul. 1999.
(6) Prefeitura Municipal de Belém, Mensagem da Prefeitura à Câmara de Vereadores e Relatório de Atividades 1999. Belém, 2000, p 131
(7) MARTINS, Maria Lucia R. Os desafios da gestão municipal democrática. Belém 1997 - 2000. São Paulo, Pólis, 2000, 112p.
(8) A imagem integral constitui a capa da publicação: MARTINS, Maria Lucia R. Os desafios da gestão municipal democrática. Belém 1997 - 2000. São Paulo, Pólis, 2000.
(9) MARANHÃO, H. Pará, capital: Belém. Memória & pessoas & loisas da cidade. Belém, Supercores, 2000. 377p, p 319
(10) IPEA/IBGE/NESUR-IE-UNICAMP. Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil. Brasília, IPEA, 1999.
(11) Gazeta Mercantil. Atlas do Mercado Brasileiro: 2000, Ano II, No 2 e 2001, ANO III, no 3
(12) Gazeta Mercantil. Atlas do Mercado Brasileiro: 2000, Ano II, No 2 e 2001, ANO III, no 3
(13) Frente Belém Popular. Programa de Governo. 1996 p.59
(14) Prefeitura Municipal de Belém - SEGEP. Congresso da Cidade de Belém: concepção de Gestão e Planejamento Estratégico de Cidade com participação social. Belém, s.d. Mimeo 17p , p.5
(15) URBAN QUALITY INDICATORS. ANN Arbor, issue II, fall 1998 p.1-2
(16) referente ao Partido dos Trabalhadores (PT), de que o Prefeito é representante
(17) SINGER,P. In SOARES, J.A. e CACCIA-BAVA,S. (orgs.). Os desafios da gestão municipal democrática. São Paulo, Cortez, 1998. p 125
(18) Prefeitura Municipal de Belém - SEGEP. Sistema de Gerenciamento do Planejamento Estratégico Situacional. Março 1998. Mimeo. 22p
(19) Houve, em 1993, entre Belém e a vizinha Ananindeua um acerto de limites, que representou a transferência de quase 15% da população de Belém para Ananindeua. Pouco depois, houve a criação de novos municíoips e inclusão de novos na Região Metropolitana. Toda essa transformação de limites, criação de novos municípios e ampliação da Região Metropolitana se deu no período intercensitário, o que torna a identificação da série histórica de crescimento populacional bastante complicada. Ao lado dessa dificuldade ainda se soma o fato de o Estado do Pará ter encerrado em 1998 sua entidade pública com atribuição específica para a produção de dados estatísticos (IDESP) e o registro civil não computar a totalidade da população. Também a Pesquisa deEmprego/Desemprego (PED) foi encerrada em 1998, pelo fim do convênio entre o Estado e o DIEESE. Para maiores detalhes, ver MARTINS, Maria Lucia R. Os desafios da gestão municipal democrática. Belém 1997 - 2000. São Paulo, Pólis, 2000, p13-16
(20) VILLAÇA, F. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel, 1998.
(21) Gazeta Mercantil. Atlas do Mercado Brasileiro: 2001, ANO III, no 3, p.24
(22) Prefeitura Municipal de Belém, Mensagem da Prefeitura à Câmara de Vereadores e Relatório de Atividades 1999. Belém, 2000, p 3
(23) Prefeitura Municipal de Belém - SEGEP. Congresso da Cidade de Belém: concepção de Gestão e Planejamento Estratégico de Cidade com participação social. Belém, s.d. Mimeo 17p, sd, p.4
(24) Prefeitura Municipal de Belém - SEGEP. Congresso da Cidade - proposta de construção. Belém, s.d. Mimeo. 20p, p4
7. BIBLIOGRAFIA
Entrevista de Edmilson Brito Rodrigues a Pep Valenzuela em 22/julho/1999. Mimeo 28p
Frente Belém Popular - PT, PCdoB, PPS, PSTU, PCB. Programa de Governo. Belém, 1996, 85p
GAZETA MERCANTIL. Atlas do Mercado Brasileiro 2000. São Paulo, Gazeta Mercantil, dez 1999. Ano II, no 2
GAZETA MERCANTIL. Atlas do Mercado Brasileiro 2001. São Paulo, Gazeta Mercantil, dez 2000. Ano III, no 3
MARANHÃO, H. Pará, capital: Belém. Memória & pessoas & loisas da cidade. Belém, Supercores, 2000. 377p.
MARTINS, Maria Lucia R. Os desafios da gestão municipal democrática. Belém 1997 - 2000. São Paulo, Pólis, 2000, 112p.
Prefeitura Municipal de Belém, Mensagem da Prefeitura à Câmara de Vereadores e Relatório de Atividades 1999. Belém, PMB, 2000. 182p
Prefeitura Municipal de Belém, Coordenação de Relações com a Comunidade (CRC). Orçamento Participativo 1997-2000. Belém, PMB, 2000. s/p
Prefeitura Municipal de Belém, CRC. Regimento Interno do Orçamento Participativo de Belém. Belém, PMB, 2000 Folheto, 14p
Prefeitura Municipal de Belém - SEGEP. Congresso da Cidade de Belém: concepção de Gestão e Planejamento Estratégico de Cidade com participação social. Belém, s.d. Mimeo 17p
Prefeitura Municipal de Belém - SEGEP. Congresso da Cidade - proposta de construção. Belém, s.d. Mimeo. 20p
Prefeitura Municipal de Belém - SEGEP. Sistema de Gerenciamento do Planejamento Estratégico Situacional. Março 1998. Mimeo. 22p
SOARES, J.A. e CACCIA-BAVA,S. (orgs.). Os desafios da gestão municipal democrática. São Paulo, Cortez, 1998. 192p
URBAN QUALITY INDICATORS, Ann Arbor, MI, USA. n 11, fall 1998
VILLAÇA, F. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel, 1998.