Os circuitos da economia urbana dos equipamentos médicos em Campinas, ribeirao preto e Sao José do Rio Preto - SP

 

VIRNA CARVALHO DAVID

Resumen

No processo da urbanização brasileira, as cidades crescem simultaneamente à multiplicação de formas de trabalho com capitais reduzidos e tecnologias menos modernas. Nesse contexto, nossa pesquisa procurou conhecer o território usado por diferentes agentes do sistema produtivo de equipamentos médico-hospitalares no Estado de São Paulo. Atentando para as diferentes divisões do trabalho que coexistem na forma dos circuitos da economia urbana, discutimos a existência de um circuito superior marginal vinculado aos equipamentos médicos em Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, diante dos processos recentes de modernização da saúde no atual período da globalização. 

Palavras-chave: Território usado; divisão territorial do trabalho; circuitos da economia urbana; circuito superior marginal; equipamentos médico-hospitalares

 

Abstract

In the context of Brazilian urbanization, where simultaneous with the growth of the cities, the types of work with reduced capital and less modern technologies also grow, our research analyses the territory used by different agents of the medical-hospital equipment’s production system in the state of São Paulo. Looking at the different divisions of labor that co-exist in ways of the circuits of urban economy, we discuss the existence of a marginal upper circuit related to the medical-hospital equipment’s in Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto (SP), before the recent processes of modernization of medical equipments in the current period of globalization. 

Key-words: Used territory; territorial division of labor; circuits of urban economy; marginal upper circuit; medical equipment

Introdução

O estudo que aqui se apresenta buscou compreender os circuitos da economia urbana para a saúde no atual período da globalização. Mais especificamente, procuramos observar a existência de um circuito superior marginal vinculado aos equipamentos médicos no Estado de São Paulo nesse momento histórico em que a tecnociência, a informação e as finanças se converteram em variáveis-chaves da dinâmica do mundo. 

 

O circuito superior da economia urbana é resultado direto das modernizações que chegam ao país, e se realiza nas cidades através dos bancos, comércio, indústria e serviços mais modernos. Trata-se se uma dinâmica hegemônica de uso do território1. Como resultado indireto daquela mesma modernização, o circuito inferior da economia urbana se realiza pelas atividades de produção e consumo voltadas às dinâmicas econômicas das populações mais pobres. Daí os dois circuitos da economia urbana (Santos, 1979).

 

As modernizações, sempre seletivas, elevam o patamar tecnológico com força para envelhecer o sistema de objetos e de ações mais antigo e, assim, acabam por segmentar a economia urbana em atividades de variados graus de capital, tecnologia e organização. Esta adaptação resultante é criadora de coexistências, onde divisões do trabalho de diferentes idades autorizam a convivência de formas de trabalho mistas. São mistas pelas características dos agentes, pois se realizam ora a partir das atividades herdadas de divisões territoriais do trabalho pretéritas, ora são funcionais às atividades modernas, ainda que subalternas. Por esse comportamento ora residual, ora emergente, identificamos uma porção marginal do circuito superior da economia urbana, ou circuito superior marginal.

 

Nessa direção, colocamos atenção às modernizações que chegam ao território brasileiro por um processo de cientificização dos equipamentos médicos.  Diante dos avanços técnico-científicos no campo da medicina e da mais recente sofisticação dos serviços de diagnóstico e tratamento, surgem novos dinamismos socioespaciais e relações entre as cidades, evidenciando o modo como as variáveis determinantes da globalização, a saber, a informação e as finanças, se realizam nos lugares.

 

A modernização seletiva e segmentação da economia urbana 

A expansão mundial das modernizações capitalistas e o dinamismo particular das economias urbanas dos países subdesenvolvidos foram estudados por importantes autores como Mabogunje (1965), Mc Gee (1968), Quijano (1973), Santos (1974) que revelaram insuficiências explicativas de teorias importadas. 

 

A teoria dos circuitos da economia urbana, proposta por Milton Santos (1975), mostrou como a economia desses países se segmenta diante das modernizações sempre seletivas e incompletas. As demandas insatisfeitas convidam à existência uma diversidade de atividades e população a elas associadas para trabalhar e consumir, daí se multiplicam formas de trabalho com capitais reduzidos e tecnologias menos modernas ao passo em que crescem as cidades e a urbanização se adensa.

 

Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto são cidades do interior do Estado de São Paulo que abrigam uma densidade de divisões territoriais do trabalho de épocas pretéritas, onde há economias de aglomeração ligadas à saúde, desde a oferta de serviços públicos e privados até formas de produção hegemônicas e não-hegemônicas vinculadas aos equipamentos médicos. Atualmente são cidades que, pelas condições materiais já existentes, despertam interesses à chegada de novos eventos, os quais foram observados por meio das políticas de saúde que se quer mais e mais moderna.

 

Por serem cidades onde já há economias de aglomeração ligadas à saúde, desde a oferta de serviços públicos e privados até formas de produção hegemônicas e não-hegemônicas vinculadas os equipamentos médicos, os eventos modernos então se valem da materialidade já existente para o desenvolvimento de uma economia da saúde que se quer mais e mais moderna.

 

A cada modernização muda o valor dos lugares e os circuitos da economia urbana se redefinem, ensina Silveira (2004). A nova divisão territorial do trabalho que se instala desvaloriza a pretérita e, ao transformar atividades em formas de trabalho atrasadas, residuais, às vezes, informais, cria escassez relativa entre os agentes. E como os elementos novos não se verificam em todas as fases do trabalho, vemos criar as atividades mistas própria do circuito superior marginal.

 

Diante das variáveis que atualmente dinamizam essa fase do processo de produção global como se realizam os elementos que segmentam a economia urbana? Perguntamo-nos como estariam sobrevivendo hoje os diferentes agentes da economia urbana diante das modernizações dos equipamentos médicos. Seja através de formas de trabalho residuais ou emergentes, a porção marginal do circuito superior mostrou que, apesar das forças desiguais dos agentes, haverá interstícios ocupados por atividades não-hegemônicas que servem à saúde do país. 

 

Em relação às modernizações das tecnologias da saúde, tivemos atenção aos equipamentos médicos prenhes de intencionalidades. Por sua extrema funcionalidade e eficiência, bem como a lógica precisa de sua instalação, as modernizações estão embutidas de fins estranhos às nossas necessidades de saúde. Embora a medicina moderna seja conquista histórica indispensável, a preferência por equipamentos médicos mais modernos nem sempre está acompanhada por melhorias no perfil da morbidade das populações. 

 

Daí a atenção sobre os mecanismos que criam novas desigualdades para consumir e, sobretudo, produzir saúde. Por isso, observa-se aos processos socioespaciais advindos do modo como cada lugar realiza as possibilidades do presente, isto é, a saúde moderna, e as especificidades da dinâmica produtiva dos equipamentos médicos que despontam nas três cidades na forma dos circuitos da economia urbana. 

 

Nossa entrada de análise, portanto, procurou entender a dinâmica da saúde, porém não como setor da economia, tampouco como um sistema de serviços, mas sim pelo que a economia urbana revela na forma dos circuitos da economia urbana. Para tanto, cabe observar alguns dados da produção nacional de equipamentos médicos e organização dos serviços de saúde no país.

 

Sobre os equipamentos médicos na formação socioespacial brasileira

No Brasil, as modernizações seletivas tornaram a oferta dos serviços de saúde concentrados nas regiões Sul e Sudeste do país. A origem dessa concentração se deu num contexto pretérito, em que o direito à saúde no país estava restrito aos trabalhadores industriais, únicos que contavam com tais benefícios oferecidos pelo sistema previdenciário. 

 

A partir da década de 1950, quando o Estado de São Paulo concentrou os esforços nacionais da industrialização por substituição de importações, uma economia da saúde trouxe a tona o desenvolvimento de um mercado da saúde em algumas cidades, tanto mais denso e complexo quanto mais elas cresciam. Os hospitais tiveram importante papel naquele momento. Por serem lócus privilegiado das modernizações em saúde e dos cuidados médicos, os hospitais foram supervalorizados e, com efeito, desempenharam significativo papel na dinamização das economias urbanas nas suas regiões.

 

Efeito dessa relação socioespacial entre território, economia e saúde ao longo de décadas, não apenas os serviços de saúde, públicos e privados, mas também a indústria nacional de equipamentos médicos se estabeleceu de forma concentrada nas regiões Sul e Sudeste do país. Hoje, mais de 90% da produção nacional está abrigada nessa Região Concentrada2, sendo que mais de 50% desses fabricantes estão localizados no Estado de São Paulo apenas. Ademais, quase 60% dessa produção está realizada por micro e pequenas empresas de capital nacional3.

 

Ao considerar essa concentração da fabricação nacional dos equipamentos médicos, observa-se que quase a totalidade da sua produção está direcionada ao mercado interno, sendo mais de 50% dos serviços de saúde abastecidos pela que se produz no país. Nessa direção, há de reconhecer o papel que essas pequenas firmas têm no abastecimento do sistema de saúde da nação. 

 

Para tanto, reconhecemos algumas condições para que haja mercados diversificados de equipamentos médicos. Como qualquer serviço de saúde necessita de uma diversidade de objetos médicos para seu funcionamento, isso favorece a existência de um mercado também diversificado. 

 

No Brasil, importa ressaltar a conversão da saúde em direito de todos os cidadãos brasileiros. Através da Constituição de 1988, em virtude do processo de redemocratização do país, as distintas complexidades de tratamento médico foram distribuídas em níveis hierárquicos, de acordo com a capacidade de a cidade oferecer tal serviço e integralizá-lo na rede de assistência universal.

 

Nesse sentido, outro fator que contribui para a diversidade do mercado de equipamentos médicos é esta organização hierárquica da rede de atenção à saúde no país que, ao distribuir a oferta nacional de serviços, entre aqueles mais e menos complexos, permite a convivência de equipamentos médicos que não são necessariamente substituídos diante da chegada de outro mais moderno. 

 

A ampliação das demandas de produção e consumo em saúde, em virtude da ampliação do direito garantido por lei, representa uma variedade de demandas que se encontram difundidas no território nacional e autorizam mercados para agentes que desempenham atividades com diferentes capacidades de ação.

 

Dessa maneira, o território usado revela que a existência dessa diversidade de pequenos fabricantes de equipamentos médicos é resultado material de ações pretéritas, entretanto dinamismos em curso procuram impor um novo valor a essa realidade social. Daí nossa atenção à medicina como ciência aplicada e, por conseguinte, às modernizações em saúde, as quais vêm imprimindo novas dinâmicas do espaço geográfico. 

 

A cientificização dos aparelhos médicos e a medicina como instituição industrial

Responsáveis por reconfigurar a vida urbana e as relações entre as cidades, algumas ações públicas e privadas foram analisadas, de modo que a natureza técnica e política das galopantes modernizações dos equipamentos médicos fossem observadas. 

 

Diferentemente dos medicamentos, os equipamentos médicos4 são objetos fixos e, por sua vez, são fatores que atribuem aos lugares valores diferenciais pelo que oferecem enquanto serviço médico. No caso dos aparelhos médicos, são as pessoas os fluxos, reveladores dos deslocamentos em direção às necessidades de tratamento médico5. 

 

Com isso, observar a hierarquia da oferta de serviços de saúde envolve ver que os equipamentos médicos são tanto mais sofisticados na capacidade de diagnóstico e tratamento quanto mais a cidade é capaz de abrigar serviços complexos. Nesse sentido, a modernização em saúde revela um papel no adensamento das divisões territoriais do trabalho ligadas aos equipamentos médicos. Daí nossa atenção estar voltada à economia urbana em função dos consumos produtivos por parte dos serviços de saúde em Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, destacando suas especificidades. Assim, importa posicionar a medicina moderna em relação à dependência instrumental da sua prática. 

 

Sabemos que à medida que a medicina se torna mais especializada, o corpo ganha outros recortes, doenças mais específicas são descobertas e novas formas de cuidado à saúde aparecem. Daí que os avanços dos cuidados à saúde são criados na dependência de um processo de sofisticação tecnológica dos seus instrumentos. Por isso, às especialidades médicas corresponde uma maior hipertelia6 (Simondon, 1989) dos seus objetos. No entanto, são equipamentos médicos que vêm responder às demandas do paciente, às demandas das ações médicas, da sala de procedimentos, do hospital ou clínica. São coleções e famílias de técnicas que configuram um amplo sistema de objetos e de ações que estão para além de um setor da saúde.

 

Ademais, esses instrumentos médicos precisam de serviços de assistência técnica que garantam seu funcionamento adequado. Isto é, a aferição dos equipamentos médicos convida ao desenvolvimento atividades específicas para verificá-los, por sua vez, esses equipamentos de medidas também necessitam de um tipo de verificação.

 

Isso nos mostra que a oferta de cuidados médicos numa cidade ou região conta com um arsenal de formas e instrumentos de trabalho, os quais fazem parte dos consumos produtivos dos prestadores de serviços de saúde. Por isso, ao passo em que avança a medicina e, com ela se impõem usos de tecnologias mais modernas, as economias urbanas respondem às demandas tornando-se mais complexas. 

 

Essa natureza dos cuidados à saúde, que se realizam pela condição tecnológica de tratá-la, nos autoriza a conceber a medicina como instituição industrial7 (Illich, 1975). Nesse sentido, importa destacar que os agentes que estão envolvidos na produção de equipamentos médicos modernos são hoje grandes conglomerados da economia hegemônica, como a Siemens, Philips, General Electric.  

 

Quando vemos a multiplicação dos objetos médicos no contexto de aumento das demandas por saúde e da capacidade de tratamento médico, estamos diante de novos modos de fazer saúde. Entretanto, por serem modos de fazer hoje indissociáveis dos vetores da informação e do dinheiro, destacam-se determinados agentes que, com efeito, revelam um poder de oligopólio em relação aos objetos usados na prática médica. Por serem firmas que realizam as atividades de pesquisas e inovação que sustentam as modernizações em saúde, são agentes, como nos mostra Silveira (2007), que possuem o comando, e não a simples posse das variáveis determinantes dos modos de fazer saúde. 

 

Por isso, são atores responsáveis pela divisão territorial do trabalho hegemônico no âmbito da saúde. Portanto, por meio da difusão de inovações, essas empresas aceleram as modernizações dos equipamentos médicos no país e põem em marcha alguns efeitos socioespaciais. Pela força que têm para determinar os parâmetros dos cuidados à saúde, importa reconhecer seu poder para macroorganizar o território nacional. 

 

Desde que não há aparelhos médicos isolados, mas um sistema complexo de objetos no qual se encontra embutida a estrutura dos atos médicos, bem como da organização dos serviços de saúde, reconhecemos as especialidades médicas no processo que torna mais complexa a sua economia urbana ligada aos equipamentos médicos.

 

Entende-se como a natureza atual das formas de fazer saúde hoje implica a substituição de uma divisão do trabalho por outra mais moderna que, por sua vez, torna as economias da saúde mais densas e complexas em alguns lugares. No entanto, como um momento da segmentação da economia urbana, cada modernização evidencia, por um lado, a multiplicação de atividades possíveis, por outro, a desvalorização relativa das divisões do trabalho mais antigas. 

 

Vimos que Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, enquanto cidades de referência na oferta de serviços de saúde no Estado de São Paulo e no país, abrigam economias de aglomeração, cuja dinâmica que situa cada um dos agentes é tanto mais densa quanto mais complexas são as divisões territoriais do trabalho existentes na região.

 

As políticas de saúde na constituição dos processos da urbanização recente 

Admitir essa dinâmica das modernizações ao passo da multiplicação de objetos médicos e formas de fazer nos leva a reconhecer os circuitos da economia urbana vinculados aos equipamentos médicos. Sendo capazes de revelar atividades que se realizam em diferentes contextos por uma variedade de agentes, os circuitos da economia urbana são expressão da pluralidade de divisões territoriais do trabalho e as distintas capacidades que as cidades abrigam para produzir e consumir saúde.

 

No entanto, num tempo em que as técnicas, por sua vez, as técnicas da saúde revelam sua natureza invasora, há que destacar o papel do circuito superior da economia, como os empenhos da Philips, General Electric, Siemens, porém, também o empenho do Estado como o agente mediador entre o mercado e a nação. 

 

Com essa preocupação destacamos três situações geográficas (Silveira, 1999) observadas pela lógica com que a saúde moderna se difunde no território nacional. Desse modo, Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto revelaram de qual modo algumas cidades se tornam mais aptas para a realização dos imperativos técnico-científicos e organizacionais da produção moderna da saúde.

 

Como nos ensina Silveira (1999), hoje o valor dos lugares não é dado apenas pela resultante da sua relação com outros, mas também pelo modo como o lugar permite a realização diferenciada das possibilidades do presente. Nesse sentido, o destaque para as três cidades compreende o movimento de distribuição dos recursos da nação, na medida em que são cidades privilegiadas por programas federais e estaduais8.

 

Desse mesmo modo vimos como essas importantes cidades do Estado de São Paulo participam e transformam a maneira pela qual a saúde moderna se realiza no âmbito mundial, sendo as economias urbanas vinculadas aos equipamentos médicos nestas cidades expressão dos processos da urbanização brasileira no período atual. 

 

A saúde na constituição das políticas tecnológicas e a criação de densidades normativas 

Na direção dos programas de desenvolvimento produtivo nacional, o uso do território mostrou como o Estado cria as oportunidades de realização dos eventos modernos, como foi observado nas três cidades, sobretudo em Ribeirão Preto, onde há forte investimento para a especialização produtiva ligada aos equipamentos médicos na cidade. 

 

Esses programas foram pertinentes no estudo sobre os circuitos da economia urbana e existência de um circuito superior marginal dos equipamentos médicos, pois ao tomarem proveito da densidade de divisões do trabalho já existentes nessas cidades, revelam a transformação do espaço geográfico a partir das ações de diferentes agentes, apesar de suas forças desiguais.

 

Os programas tratam de acrescentar às cidades vantagens que viabilizem a pesquisa e desenvolvimento de uma saúde que se quer produzida mais moderna. Através de formas encarregadas de construir fluidez, e de normas desenhadas para regular as novas ações, densidades normativas9 (Silveira, 1997) se sobrepõem aos arranjos pretéritos dos lugares.

 

Fato é que as exigências organizacionais advindas da atual divisão internacional do trabalho, onde a competitividade aparece como motor das políticas públicas, não deixam à parte a saúde. Depois das políticas nacionais a reconhecerem como economia, e não apenas como despesa10, como quis mostrar Gadelha (2003), a saúde passou a integrar as estratégias dos programas de desenvolvimento produtivo do país. 

 

Ademais, como o Brasil é pouco produtor de objetos médicos sofisticados, a política de saúde teve que reconhecer certa vulnerabilidade do Sistema Único de Saúde frente ao aumento desses consumos, seja ressonâncias magnéticas ou agulhas a base de novos materiais. Daí a saúde integrar a política de desenvolvimento produtivo e a política nacional de ciência, tecnologia e inovação, ao lado da política social, representada pelo direito de todos os brasileiros.

 

Os hospitais públicos de ensino que, historicamente, têm sido centros de cuidados médicos de milhares de cidadãos, vêm hoje sendo reforçado seu papel enquanto lócus privilegiado da pesquisa em saúde (Guimarães, 2004).  Eis um atributo das economias urbanas, sobretudo, nas cidades de Campinas e Ribeirão Preto, que são referências em saúde na região e no país.

 

Outro atributo das três cidades, o qual se mostra fator na localização desses programas políticos, é a existência de fabricantes nacionais de equipamentos médicos em Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, assim como os institutos de pesquisa e as universidades, onde se realizam parcerias para o desenvolvimento de inovações em saúde.

 

Nesse sentido, revela-se que tanto a economia urbana ligada aos equipamentos médicos como os estabelecimentos de saúde abrigados na cidade são expressões da base material indissociável de novas ações científicas e tecnicamente fundadas, possível apenas em alguns lugares. 

 

Densidades normativas na dinâmica do circuito superior marginal em Ribeirão Preto

O Arranjo Produtivo Local de Equipamentos Médicos em Ribeirão Preto integra os programas de desenvolvimento industrial no Estado de São Paulo. Nessa direção, a cidade passa a se destacar pelas novas funções que vêm desempenhar à medida que responde por uma racionalidade dominante. 

 

Os acréscimos de tecnociência, informação e finanças à medicina e suas áreas afins transformam a saúde num fator da dinamização dos processos da globalização. Nesse sentido, à medida que as modernizações substituem os objetos técnicos de modo acelerado, vemos também a substituição das normas técnicas neles embutidas. Por isso, ao passo em que os contextos produtivos se ampliam, aumentam as exigências normativas11, porém não apenas normas técnicas, mas também normas de organização e normas políticas, o que Silveira (1997) observou enquanto os modos de regulação no atual período técnico-científico informacional. 

 

Em virtude da densidade normativa (Silveira, 1997) que refuncionaliza os lugares, buscando maior organização dos modelos de produção e integração na mais recente divisão internacional do trabalho, o Arranjo Produtivo Local na cidade vem imprimir uma aceleração das dinâmicas dos equipamentos médicos na sua economia urbana.

 

Pode-se observar que tais arranjos produtivos não forjam uma proximidade física para catalisar a eficiência da produção, como exigem os antigos distritos industriais, pois no Arranjo Produtivo Local essa proximidade já existe. Daí o discurso destas especializações produtivas anunciar as cidades por suas “vocações”. Ao diferenciar uma regionalização como ferramenta de outra regionalização como fato, Ribeiro (2007) aponta para as experiências produtivas já existentes numa forma espontânea, reunidas para o planejamento conduzido pelo Estado. 

 

Entende-se que, para o APL, é a densidade organizacional que catalisa sua eficiência produtiva esperada. Parece que a organização se torna variável muito relevante para as dinâmicas de um período que se caracteriza por técnicas mais doces (Gaudin, 1978) flexíveis (Santos, 1996). Flexíveis, pois, como mostra Silveira (2004), com algum instrumento em um pequeno local se fabrica um bem ou serviço que pode ser vendido, mesmo porque são muitas as demandas insatisfeitas e variadas as possibilidades de consumo.

 

Daí poder observar a participação da Fipase como órgão próprio para a gestão do Arranjo Produtivo ligado aos equipamentos médicos em Ribeirão Preto.  Instituição privada de direito público, a Fipase é responsável por criar novas solidariedades organizacionais para que a região se torne referência na produção moderna de equipamentos, assim como aumente a competitividade do país, diante da internacionalização do mercado.

 

A norma como um atributo da organização é determinante de muitos processos que observamos na dinâmica dos circuitos superior marginal dos equipamentos médicos. Nesse sentido, atenta-se para a na como variável e seu papel motor na divisão do trabalho moderno como importante elemento na diferenciação dos agentes produtivos. 

 

Sobretudo na situação geográfica identificada em Ribeirão Preto, os circuitos da economia urbana ligados aos equipamentos médicos revelam que a norma é um motor das dinâmicas socioespaciais, pois define a capacidade de produção entre os agentes, tornando uns mais capazes que outros. Como poucos conseguem acompanhar a dinâmica acelerada e os patamares normativos impostos a nova economia urbana dos equipamentos médicos, cria-se desintegração econômica e fragmentação socioespacial, ainda que se rearranjem outras possibilidades na cidade e região.

 

Constatamos a defesa da certificação dos equipamentos médicos e da produção por parte destes fabricantes. No entanto, a questão por eles colocada diz respeito à aceleração destas exigências. A aceleração, atrelada a morosidade dos procedimentos institucionais que conferem a certificação aos produtos e às empresas, cria um contra-senso que acaba por limitar a capacidade de muitos agentes, ainda que se situem numa condição que desfruta de certo grau de capital e organização.

 

Nesse caminho darwiniano, muitas empresas não resistem e desaparecem. Ademais, nesse momento relativamente às outras épocas da produção nacional, observamos a dificuldade de nascimento de novos fabricantes. Daí que, hoje, novas empresas nascem apenas como prestadores de serviços.

 

Dinâmicas espontâneas do circuito superior marginal ligado aos aparelhos médicos

Algumas observações em Ribeirão Preto

Vimos que grande parte dos serviços de saúde modernos está concentrada no Estado de São Paulo, assim como quase a totalidade da produção nacional de equipamentos médicos. No entanto, observamos que muitos fabricantes de Ribeirão Preto encontram dificuldades para que seus produtos cheguem aos prestadores de serviços mais próximos.

 

Essa cidade é uma das referências dentro da organização da oferta de serviços públicos de saúde do país, da mesma forma é a segunda cidade do país com maior número de unidades produtivas de equipamentos médicos e, como anunciamos, vem passando hoje por um intenso processo técnico e político de especialização produtiva. 

 

Acontece que o nível tecnológico e volume das compras demandados pelos serviços de saúde, já que na cidade estes são, em grande medida, serviços modernos, não são compatíveis com as mercadorias ou a capacidade produtiva da maioria dos produtores de equipamentos médicos nacionais.

 

A dificuldade para acessar os maiores e mais próximos mercados termina por levar a que se realizem outros mercados, mais espalhados no território nacional. Ribeirão Preto, por ser entrecruzada por importantes rodovias, permite facilidades para que atividades de distribuição de equipamentos médicos se multipliquem. 

 

Assim que, através de distribuidores, a concentração geográfica da produção nacional encontra meios de ser vendida no mercado nacional. Isto é, distribuidores grandes alcançam maiores volumes para vender aos maiores mercados, e pequenos distribuidores se difundem no território nacional, tornando mais abrangente o contexto dos fabricantes. 

 

Por isso, muitos serviços de saúde do país, distantes dos lugares de produção, contam com insumos nacionais que lhes chegam pela dinâmica dos pequenos distribuidores que passam a participar da organização do trabalho da pequena empresa.  Daí observarmos os circuitos espaciais de produção (Santos, 1985) que se completam pelo desempenho de tarefas entre agentes não hegemônicos.

 

Ao passo em que a divisão do trabalho se revela como conceito plural, isto é, dada não apenas por uma economia hegemônica, também a cooperação se revela em sua pluralidade. Daí os mercados que não interessam às atividades hegemônicas, por outro lado, revelarem outros que, embora sejam menos visíveis, são mercados socialmente necessários12, como os chama Ribeiro (2005).

 

Resultado do papel da circulação no período da globalização, a multiplicação das atividades de distribuição dos equipamentos médicos traduz os efeitos indiretos da modernização na saúde, em que crescem formas de trabalho com menor capital, tecnologia e organização, em resposta a tantas demandas insatisfeitas.

 

Algumas observações em Campinas e São José do Rio Preto

Entende-se que as modernizações, na medida em que se sobrepõem às divisões territoriais do trabalho existentes, multiplicam as formas de trabalho possíveis.  Com efeito, a convivência entre diferentes agentes se realiza por uma dinâmica de cooperação e conflito, tanto mais densa e complexa quanto maior a cidade.

 

As atividades de manutenção foram destacadas, sobretudo nas cidades de Campinas e São José do Rio Preto. Para estarem atualizados em relação às modernizações dos aparelhos médicos, observamos que muitos agentes não-hegemônicos passam a ser representantes de empresas hegemônicas, através da prestação de serviços de manutenção e, com isso, incorporam os elementos da produção mais moderna.

Ao passo em que aumentam os consumos de sofisticadas tecnologias de saúde, e surgem os novos limites para os produtores nacionais, alguns mecanismos de difusão das modernizações são empenhados como estratégia dos agentes hegemônicos. Como exemplo, apontamos as atividades de recondicionamento de aparelhos, os serviços pós-venda e os financiamentos para aquisição de aparelhos novos. 

 

As atividades de recondicionamento dos equipamentos médicos de imagem mais antigos são, há décadas, praticadas por agentes que configuram um circuito superior marginal. Entretanto, recentemente, quando cresce o mercado nacional desses aparelhos, o recondicionamento passa a ser interessante aos grandes fabricantes, sendo cada vez mais um mercado dominado por agentes hegemônicos. Da mesma forma, as peças com as quais se pratica a manutenção dos aparelhos que estão sendo usados são cada vez mais específicas das suas respectivas marcas, de modo tal que o conserto dos equipamentos médicos tende a se tornar mais e mais atrelado às dinâmicas de grandes empresas. 

 

Outra estratégia corporativa se realiza por meio dos serviços pós-vendas, como a manutenção preventiva. Intimamente atrelada à venda de equipamentos médicos modernos, isto é, com diferentes níveis de conteúdo informacional, a manutenção preventiva acaba por fazer durar a relação com o fornecedor, aumentando o vínculo de dependência com o mesmo fabricante. 

 

Ainda, também o financiamento que os grandes fabricantes assumem para incentivar a aquisição de seus próprios aparelhos é uma prática dentre estes mecanismos de oligopolização apontados. Esses conglomerados, cuja dinâmica hegemônica dos equipamentos médicos modernos está envolvida, incorporam atividades financeiras a fim de facilitar a compra de seus produtos. Nesse sentido, através do poder que têm para serem financiadoras, essas grandes empresas constituem um circuito superior puro, e aumentam a capacidade de oligopolização do uso do território na medida em que põe em marcha uma dinâmica socioespacial em seu favor. 

 

No contexto onde cresce a internacionalização do mercado interno e aumentam os consumos de saúde sofisticados, novas dificuldades para os produtores nacionais são criadas. Nessa direção, se por um lado reconhecemos uma maior complexidade das divisões territoriais do trabalho e multiplicação de atividades ligadas aos equipamentos médicos, por outro convém nos perguntar em que condições essas formas de trabalho se realizam.

 

Os representantes autorizados foram um modo evidente das novas formas de trabalho que nascem e proliferam nas cidades onde há uma economia de aglomeração ligada à saúde. Como em Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, os agentes não-hegemônicos encontram abrigo se aproveitando das condições materiais e de mercado que a própria cidade oferece.

 

Em virtude da sua maior densidade técnico-científica, em Campinas pudemos encontrar um arsenal de formas de fazer, que inclui fabricação, serviços de manutenção, autorizados e autônomos, distribuidores, atividades de comercialização de equipamentos, revenda, entre outros. Com destaque para as atividades de representantes autorizados, de vendas ou de manutenção, Campinas possui uma multiplicidade e inumeráveis combinações de formas de trabalho em que muitos agentes participam da organização da divisão do trabalho particular da empresa representada. Aumentam, assim, o alcance e poder de ação de ambos agentes. 

 

Embora a representação responda à lógica da empresa-mãe representada, sua atividade não se restringe aí, pois pode se vincular a muitas outras marcas, desde que não sejam objetos médicos ou empresas concorrentes. Desse modo, circuitos espaciais de produção praticados entre empresas de diferentes forças evidenciam atividades variadas em cada contexto, podendo revelar mecanismos de subordinação que, de outra maneira mostra as estratégias de sobrevivência de agentes não-hegemônicos.

 

Em Campinas, por conta da sua urbanização revelar uma especificidade ligada ao desenvolvimento em tecnologias da informação – dada pela presença de uma das principais universidades do país e importantes institutos de pesquisa, bem como modernos serviços públicos de saúde – as atividades de manutenção são acompanhadas por uma maior especialização técnica dos agentes.

 

Ali, a linguagem habitual entre os agentes está ligada às engenharias clínicas, manutenções preventivas, atividades autorizadas, ao passo em que São José do Rio Preto, cidade com menor densidade técnico-científica, as práticas de manutenção estão envolvidas com uma divisão do trabalho mais antiga, onde se vê realizar antigos contratos de manutenção entre prestador e os serviços de saúde. 

 

À medida que se especializam os aparelhos médicos, é necessária a especialização da manutenção e seus agentes. À medida que se tornam mais científicos e informacionais os equipamentos maiores são as demandas por cursos que atualizam as profissões, seja operadores de aparelhos, enfermeiros, agentes de manutenção.

 

Isso quer dizer, por outro lado, que o processo de tecnificação dos cuidados à saúde e cientifização dos aparelhos médicos tem tornando cada procedimento demandante de exames de laboratório e de imagens. Nesse sentido, a grande empresa, nacional ou multinacional, se torna um meio pelo qual os agentes não-hegemônicos podem obter os cursos de atualização profissional. Ao passo em que agentes se tornam representantes de uma grande empresa, aqueles outros que desempenham uma atividade mais autônoma de manutenção de equipamentos médicos vai se tornando intersticial na economia urbana. 

 

Em Campinas, a existência de cursos de formação profissional, como o Centro de Engenharia Biomédica13, mostra a condição que a cidade abriga para qualificar a demanda por serviços de manutenção de equipamentos médicos de maior nível tecnológico, como são os serviços de saúde oferecidos na cidade. Entretanto, ainda assim muitos agentes terminam sendo representantes de empresas hegemônicas. 

 

Ainda que a representação signifique o controle sobre as peças de reparo e, também, a impossibilidade de fazer estoques, muitos agentes se dedicam às atividades de manutenção de equipamentos modernos por meio desse vínculo hierárquico, pois permite elevar o grau de tecnologia e organização com o qual trabalham e, ao mesmo tempo, tornam-se já inseridos no mercado que muda incessantemente. Isso mostra uma porção marginal do circuito superior, caracterizado por assumir uma etapa complementar da divisão territorial do trabalho particular da grande empresa. Ademais, 

 

Ademais, a particularidade que apontamos ser necessidade da manutenção, isto é, a proximidade física com os aparelhos nos quais realiza o reparo, é um dado de extrema importância para que tenhamos podido observar os circuitos da economia urbana e as dinâmicas entre os circuitos na forma de vasos comunicantes (Santos, 1979). 

 

Por isso, essas atividades ligadas aos equipamentos se realizam num contexto a partir das condições que a cidade abriga. A manutenção, embora nascida de uma demanda lugarizada, revela a representação como um mecanismo atual de hierarquização do acontecer dos lugares. É dizer que, para os agentes hegemônicos, a proximidade física com o aparelho que precisa de manutenção surge como um artifício para subordinar outros agentes a um acontecer hierárquico. Daí uma evidência do papel determinante do meio construído urbano (Harvey, 1982). Diferentemente valorizado pelas modernizações seletivas, o meio construído permite que uma variedade de formas de trabalho responda às demandas situadas da produção da saúde, ainda que com maior ou menor subordinação em relação ao circuito superior. 

 

Em São José do Rio Preto, embora haja menor densidade relativa dos elementos pertinentes à saúde mais moderna, isto é, a tecnociência e a informação, crescem ali os consumos sofisticados e ó o próprio perfil da urbanização do país que nos conduz nessa observação. O papel recente do trabalho intelectual na organização da produção moderna trouxe novas dinâmicas da urbanização brasileira. A fragmentação territorial da fabricação e a redistribuição da classe média em direção às cidades médias, bem como dos pobres em direção às maiores cidades, mostra porque cidades relativamente menores, como São José do Rio Preto sustentam o crescimento de mercados modernos.

 

O processo de modernização em saúde nessa cidade, ligado, por exemplo, à introdução crescente de equipamentos médicos digitais nos serviços de saúde, têm feito com que a manutenção mais tradicional existente na cidade, como o conserto de aparelhos de raio-x, encontre novos mercados nas cidades vizinhas, onde os serviços, em geral, são menos modernos. Com efeito, essas complementaridades regionais mostram, mais uma vez, circuitos espaciais de produção que se completam por atividades não-hegemônicas. Contudo, estes agentes, que veem diminuir a relevância do seu trabalho na cidade, acabam por visitar as feiras e congressos, promovidos por empresários e representantes do governo14, para converter-se em novo representante de vendas de insumos de equipamentos mais modernos.

 

A multiplicidade de formas de fazer, como revelada em Campinas, desafia a análise que almeja o mero exercício classificatório em razão da variedade de estratégias particulares dos agentes. Nesse sentido, o circuito superior marginal aparece justo nessa dinâmica de substituição de uma divisão territorial do trabalho por outra mais moderna. Trata-se da manifestação do permanente movimento socioespacial, resposta e condição à seletividade das modernizações.

 

Daí ressaltarmos, como alertara Santos (1979), a porção marginal do circuito superior não como um terceiro circuito da economia urbana, tampouco como um circuito intermediário entre os circuitos superior e inferior. Pelo contrário, sua existência é a segmentação da economia urbana e as oportunidades as quais se ocupa uma pluralidade de agentes com diferentes níveis de tecnologia, capital e organização.

 

A riqueza lentamente produzida pelos agentes não-hegemônicos

A interdependência entre agentes de força desigual, realizando atividades comuns mesmo que o projeto não seja comum15, como foram observadas as atividades praticadas pelos representantes autorizados de manutenção. Essa dependência mútua entre os agentes, apesar da desigualdade de suas forças, revelou situações onde a economia urbana dos equipamentos médicos destaca o acontecer solidário dos lugares (Santos, 1996). 

 

Ao tempo em que se torna mais complexa a geografia do mundo, a divisão do trabalho se torna ainda mais evidente como conceito plural. Os agentes, dotados de uma variedade de níveis de tecnologia, organização e capital, abrigados em seus diferentes contextos de pertencimento (Zaoual, 2006), revelam a pluralidade de formas de fazer, que se realizam de forma interdependente e contraditória, insiste Arroyo (2008).

 

Nossa problematização do tema da saúde pela geografia atual se traduz num esforço para captar a dinâmica da economia urbana diante das modernizações. Os equipamentos médicos, bem como sua localização têm embutidas uma intencionalidade que se impõe sobre a organização e transformação do espaço geográfico, e cuja lógica repercute sobre as formas de trabalho possíveis.

 

Isso quer dizer que embora haja o Sistema Único de Saúde como parâmetro legal que busca garantir o acesso universal aos serviços de saúde, há mecanismos de oligopolização da economia urbana, os quais fazem com que as dinâmicas de modernização das tecnologias médicas reforcem concentrações já existentes.

 

A realização acumulativa das modernizações dos equipamentos médicos é patente, pois efetivamente eles se instalam onde há condições para seu funcionamento. Isso implica recursos humanos para operação, conservação e manutenção dos aparelhos. Daí a modernização dos objetos médicos expôr, também, outra natureza das desigualdades em saúde.

 

Acelerando as dinâmicas de modernização dos equipamentos médicos ou tornando outros subordinados às funções modernas, os grandes agentes da economia moderna nos fazem dependentes não apenas pelo consumo, mas pela condição de produzir. Nesse sentido, revela uma produção de escassez em saúde mais invisível do que aquela ligada a distribuição desigual da oferta de serviços de saúde no país.

 

Ainda assim, apesar da organização do território responder, em grande medida, a difusão dessas dinâmicas hegemônica de consumo e produção, é possível observar e destacar o meio construído como condição de coexistência entre diferentes agentes. Nesse sentido, importa reconhecer atividades que, no âmbito da contiguidade, revelam limites à oligopolização da economia.

 

Ao passo em que interstícios econômicos são ocupados para suprir demandas de mercados concretos, criando possibilidades para diferentes capacidades de consumo, vemos complementaridades entre agentes e regiões para além da subordinação. Daí o circuito superior marginal ser expressão da resistência à oligopolização do território. 

 

Referências Bibliográficas

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Notas

1 A concepção fundamental de que o território usado se constitui pela diversidade de agentes que coexistem, apesar de suas diferenças é dizer que envolve a todos os atores, sendo, por isso, sinônimo de espaço banal (1996), pois é o espaço de todos os homens, independente de suas qualidades, de todas as empresas, independente de sua força, de todas as instituições, independente de seu poder normativo.

2 Região Concentrada (Santos e Ribeiro, 1979) se refere às regiões Sul e Sudeste do país, de acordo com a regionalização proposta em Santos e Silveira. O Brasil – território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro, Record, 2001.

3 Agencia Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Panorama setorial: Equipamentos médicos, hospitalares, odontológicos, ABDI, Brasília, 2008.

4 Alguns dos equipamentos médicos dos quais falamos são: detectores fetais; doppler vasculares; amnioscópio; cadeira oto/oftalmo; cardiotocógrafo; colposcópio; criocaltério; mesa ginecológica; clínicas e urológicas; negatoscópio; foco auxiliar cirúrgico e clínico; mesas clínicas; videocoloscópio; aparelho de anestesia; ultra som diagnóstico; mamografia; aparelho de endoscopia; aparelho de raio x; cateteres eletrofisiológicos e angiográficos; marcapasso; cardioversor/desfibrilador; indutores, bainhas e agulhas para procedimentos eletrofisiológicos; desfibrilador externo; eletrocardiógrafos; equipamentos de hemodiálise; freezer de amostras; filtro de veia cava; oxímetro de pulso; monitoração cardíacos e monitores multiparâmetros; ventilador pulmonar; implantes ortopédicos; equipamentos para diagnóstico em laboratório; receptores/detectores digitais para geração de imagem; entre muitos outros.

5 De acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde, que em tese lhe garante o direito de acesso ao serviço que cabe a especificidade da sua necessidade de tratamento, a pessoa terá que se deslocar tanto mais quanto sua cidade estiver distante do tratamento que precisa.

6 Simondon (1958) mostra que os objetos tornam-se objetos concretos pela incapacidade de cumprir funções diferentes àquela prevista, daí tomarmos emprestada sua noção de hipertelia para entender os equipamentos médicos quando vistos ao lado da medicina que se torna mais e mais especializada.

 

7 Illich (1975) é quem realiza um estudo crítico sobre a medicina enquanto instituição industrial. Escreve: “Toda doença é uma realidade criada no seio da sociedade. O que significa e a pronta resposta que suscita já têm história.” (p.152). Isto é, “A medicalização da vida é malsã por três motivos: primeiro, a intervenção técnica no organismo, acima de determinado nível, retira do paciente características comumente designadas pela palavra saúde; segundo, a organização necessária para sustentar essa intervenção transforma-se em máscara sanitária de uma sociedade destrutiva, e o terceiro, o aparelho biomédico do sistema industrial, ao tomar a seu cargo o indivíduo, tira-lhe todo o poder de cidadão para controlar politicamente tal sistema” (p.10).

8 As políticas federais que nos referimos são a Política de Desenvolvimento Produtivo; Política Nacional de Ciência e Tecnologia, a Política Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação em Saúde. Os programas de governo do Estado de São Paulo o Sistema de Parques Tecnológicos e Arranjos Produtivos Locais

9 Silveira (1997:43) assevera que hoje, mais do que antes, a técnica impõe modos de regulação, que buscam “revogar a pluralidade de marcos regulatórios para afirmar uma única regulação”. Como a construção mais aperfeiçoada da ordem global, a autora acrescenta a densidade normativa na abordagem das modernizações à densidade técnica e a densidade informacional, apontadas por Santos (1994) na constituição dos lugares. A densidade normativa é identificada, portanto, naquelas áreas em que a “lei do mercado e as demais normas globais agem mais profundamente, arrostando a exígua resistência das normas locais”.

10 O Complexo Industrial da Saúde alarga o âmbito político da saúde, ao integrá-la no âmbito da política nacional de desenvolvimento. A partir da Constituição 1988, a indústria nacional no contexto da competitividade internacional ganha outra implicação. Desde 2000, os esforços em ciência e tecnologia se dirigiram à inovação e, desde 2004, se vê a inclusão social no escopo das questões do desenvolvimento da ciência e tecnologia. A saúde como ciência aplicada integra essa racionalidade política do período atual.

11 A respeito do papel da norma na dinâmica criadora de uma porção marginal do circuito superior em relação aos medicamentos nos Brasil, ver Bicudo, Junior, E. C. O circuito superior marginal: produção de medicamentos e o território brasileiro. Dissertação de Mestrado em Geografia Humana, FFCH/ USP. São Paulo, 2006.

12 A noção de mercado socialmente necessário foi elaborada por Ribeiro (2005), e concebe a categoria do território usado indissociável de um humanismo concreto, proposto por Santos (1987). Buscando ressaltar os valores de uso que orientam a ação do homem, a denominação de um mercado socialmente necessário, dirá a autora, evita permitir que a concepção hegemônica de mercado apresente-se como única versão possível das trocas econômicas.

13 O CEB é o Centro de Engenharia Biomédica, instituto de pesquisa ligado à Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Universidade Estadual de Campinas. É responsável pela especificação técnica, aquisição e manutenção dos equipamentos na área da saúde ligada ao Hospital Universitário e à Unicamp, além de outros apoios à área da saúde na região. Realiza pesquisa e desenvolvimento na área de Bioengenharia, Engenharia Biomédica, Engenharia Clínica, e Física Médica. Também, o CEB forma recursos humanos em vários níveis: cursos técnicos, graduação, mestrado, doutorado e profissionais de diversas áreas e instituições.

14 A exemplo, a feira Hospitalar é o maior evento anual especializado na área de equipamentos médicos em toda América Latina. É um importante evento promovido por associações dos representantes industriais e de comércio, com forte apoio dos Ministérios do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior. O evento conta com a participação de mais de mil expositores de diferentes países, com visitação de diferentes profissionais, entre dirigentes hospitalares, médicos, empresários, entre outros.

15 Trata-se do acontecer solidário, definido por Santos (1996), como a realização compulsória de tarefas comuns mesmo que o projeto não seja comum.

 

 

 

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