Análise do processo de reestruturação do espaço urbano da região metropolitana de Belo Horizonte – MG Brasil
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- Publicado el Martes, 14 Mayo 2013 08:17
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SOUZA, REGINALDO; HERNANDEZ-BERNAL, NORMA
Abstract
Minas Gerais capital city was specially created as an administrative and commercial city and stayed as such for several decades. An intensive industrial process starts in 1960, which stated an upgrade in the city structure and economy by incorporating new technologies and new professional carriers focused in the mining, metallurgical and mechanic industries.
The Belo Horizonte Metropolitan Region (BHMR) has suffered from its origin up to nowadays, in an intermittent way, several acceleration and steady growth and diversification processes within its production base, modifying its classification in the brazilian urban network and defining, at the same time, the manner in which the geographic space is conceived and organized in its different moments.
This has been shown in social and economic indexes and in its participation as a developing pole in its economic, social and cultural aspects within the urban network of Brazil, as well as in the city and suburban area spatial restructuration.
The indexes here analyzed, play, at the same time a defining paper in the localization and relocation of new productive activities, contributing to create differences in the attraction of new capitals, and favoring or not the development and spatial dynamics.
This study highlights, as well, the importance of the ideology behind the spatial restructuration happening within the BHMR, which seeks to generate important impacts in the economy of the city by facilitating the investments in the administrative and commercial sectors. The collaboration at the municipal and state level has played a basic role to achieve the objectives that this spatial restructuration searches with the aim of increasing the potential of the social and economic development.
Resumen
La capital Minera se creó específicamente como sede administrativa y comercial, permaneciendo así por varias décadas. A partir de 1960 se intensifica el proceso de industrialización que, a su vez, imprimió una mejoría en su estructura y economía, incorporando nuevas tecnologías y nuevos cuadros profesionales en función de la industria minero-metal-mecánica.
La Región Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) ha sufrido de manera intermitente, desde su creación a la fecha, diversos procesos de aceleración y desaceleración de crecimiento y de diversificación de su base productiva, modificando su clasificación en la red urbana brasileña y determinando, al mismo tiempo, la manera en que el espacio geográfico se concibe y se organiza en sus diferentes momentos.
Esto se ha visto reflejado en indicadores socioeconómicos y en su participación como polo de desarrollo económico, social y cultural dentro de la red urbana de Brasil, así como en la misma estructuración espacial de la ciudad y su área conurbada.
Los indicadores analizados aquí, juegan, al mismo tiempo, un papel determinante en la localización o reubicación de nuevas actividades productivas, generando diferencias en la atracción de nuevos capitales, favoreciendo o limitando el desarrollo y la dinámica espacial.
Así mismo, este estudio resalta la importancia de la ideología atrás de la re-estructuración espacial que se ha llevado a cabo en la RMBH, la cual busca generar impactos importantes en la economía de la misma favoreciendo las inversiones en los sectores administrativo y comercial. La colaboración a nivel municipal y estatal ha jugado un papel fundamental para alcanzar los objetivos que esta re-estructuración espacial busca, con el fin de aumentar el potencial de desarrollo económico y social.
Palabras Clave: Reestructuración Urbana, Economía Urbana, Planificación Estratégica
Introdução
Projeção de sonhos antigos, a cidade Belo Horizonte foi planejada e construída sob os auspícios da primeira república brasileira. E ao se constituir numa de suas apostas, foram muitas as suas promessas.
A cidade planejada sai então direto dos escombros do império brasileiro (e daquele mundo barroco) para se deparar com a crise de ordem e progresso que a 2ª revolução industrial provocava pelas inúmeras repúblicas mundo afora.
Mas havia, naquele momento, ao menos duas alternativas muito claras para a concepção e desenvolvimento de uma cidade: uma representava a ordem político-econômico-urbanística tradicional (isto é, a monarquia, o mercantilismo e o barroco) e a outra representava exatamente o seu contrário – a ordem moderna (isto é, a república, a indústria e a urbanização).
Já atualmente, guardadas as devidas proporções, experimentamos um processo muito semelhante àquele que marcou o período da criação da cidade.
Há novamente, não só um amplo e vigoroso processo de reestruturação produtiva em pleno desenvolvimento e com profundas influências na ordem social urbana geral. E quais seriam hoje, efetivamente, os caminhos que se apresentam a uma metrópole como Belo Horizonte?
Parece-nos que estes caminhos, novamente, não passam de dois e não só Belo Horizonte, mas todas as metrópoles pelo mundo afora, indispensavelmente, têm que fazer a sua escolha.
Ou bem elas se abrem e, correndo os inúmeros riscos de fracasso que toda grande mudança encerra, atualizam a sua estrutura produtiva e reprodutiva física e social; ou bem mantêm a produção de sua economia urbana assentada sobre uma base tecnológica e organizacional já dada e uma reprodução social condizente com esta base.
Mas parece-nos que, novamente, esta escolha também já foi feita para a cidade de Belo Horizonte e sua região metropolitana.
E como ela se deu?
Para verificarmos isto, destacaremos primeiro (en passant), alguns indicadores socioeconômicos que certamente ajudaram os tomadores de decisão a defini-la e também a justificá-la. Depois, a partir das inúmeras intervenções sócio espaciais concretas empreendidas na metrópole – sobretudo, pelos governos local e regional nos últimos anos – vamos salientar que os rumos para a RMBH (e em certa medida, também para o estado de Minas) já estavam de fato e estrategicamente traçados muito antes que os Cadernos do Planejamento Estratégico para a metrópole ou o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado fossem oficialmente elaborados.
Isto evidencia que, inegavelmente, há uma base ideológica que contemporaneamente tem, de alguma forma, amalgamado os múltiplos interesses (públicos e privados) dos grupos sociais cuja performance combinada tem reestruturado o espaço da metrópole numa determinada direção.
Não por acaso, “the urban transformation project is the sum of the three factors:
a) a sensation of crisis sharpened by a growing awareness of globalization of the economy;
b) a coming together of the urban public and private agents, and the generation of local leadership (political and civic);
c) a joint will and citizen consensus for the city to take a leap forward, from the physical, economic, social and cultural points of view” (BORJA and CASTELLS, 1996. p. 108).
I – Indicadores Socioeconômicos da RMBH
A capital mineira, criada essencialmente para desempenhar serviços de natureza administrativa e comercial (SOUZA, 2001), assim permanece por várias décadas desde a sua fundação.
No cenário urbano nacional então, é só a partir da década de 1960 que Belo Horizonte vai experimentar um processo mais intenso de industrialização que foi capaz de promover um avanço em sua estrutura produtiva e uma efetiva dinamização de sua economia.
Com isto, a base industrial essencialmente mínero-metalúrgica da RMBH (que responde pela maior parte da produção industrial do estado), cede lugar a uma base mínero-metal-mecânica (mais diversificada e complexa). E este salto, que permite a incorporação de novas tecnologias e uma série expressiva de novos tipos de trabalho (muitos deles bastante qualificados), também permite uma inserção mais avançada da cidade dentro da rede urbana brasileira.
Contudo, a partir dos anos 1990, é possível verificar que a RMBH perde dinamicidade frente a outras regiões metropolitanas do país. Cidades como Porto Alegre, Curitiba e Salvador (e suas respectivas regiões metropolitanas), ainda que posicionadas hierarquicamente abaixo na rede urbana brasileira, passam a apresentar, por exemplo, taxas de crescimento e (o que é ainda mais importante) taxas de diversificação de sua base produtiva superiores àquelas registradas na RMBH.
Alguns dados sobre o desempenho econômico da RMBH nos últimos anos têm mostrado que a cidade talvez tenha esgotado suas possibilidades de crescimento diferencial a partir do perfil do seu complexo produtivo (basicamente mínero-metal-mecânico) e da oferta de serviços a ele associados.
Por exemplo, quando observamos a composição do quadro da produção industrial no estado (e a RMBH responde por cerca de 60% desta produção3), podemos verificar que as indústrias preponderantes ainda são aquelas relacionadas ao complexo mínero-metal-mecânico e que o seu produto agregado (indústria extrativa, metalúrgica e automobilística) representa a maior parte do produto industrial total do estado, atingindo 52%.
Já quando observamos a variação comparada do crescimento do PIB da RMBH (e também do município de Belo Horizonte) entre as décadas de 1970 e 1990, podemos fazer algumas constatações importantes.
Em 1985, por exemplo, o PIB de Belo Horizonte representava 54% de todo o PIB da RMBH. Em 2002, este percentual havia diminuído para 48% e em 2006, ele atingiu a marca de 44%.
Já quando relacionamos o PIB de Belo Horizonte com o PIB do estado, verificamos uma ligeira (mas significativa) queda de 1% na participação do município.
Provavelmente, esta performance da economia local nos últimos anos é reflexo de múltiplos fatores como: as variáveis macroeconômicas destacadas; alguns elementos regionais como a reestruturação da economia de São Paulo e/ou o fortalecimento de metrópoles concorrentes além de variáveis de caráter eminentemente local.
Sobre estas últimas, falaremos um pouco a seguir.
Alguns outros indicadores (como aqueles relacionados com a dinâmica demográfica ou com o quadro social em geral da RM e do município de Belo Horizonte) podem estar também indicando que a metrópole não vive um bom momento – dado que eles estão intimamente relacionados com a evolução da economia. Isto é: influenciam e são influenciados por variáveis econômicas.
Por exemplo, quando analisamos as taxas de crescimento demográfico dos seis municípios mais populosos da RMBH (Belo Horizonte, Contagem, Betim, Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Sabará) ao longo da década atual, podemos verificar que em todos eles (exceto Sabará), as taxas foram superiores àquelas registradas em Belo Horizonte.
Se, a princípio, isto se mostra positivo, por outro lado, há um efeito colateral importante que é, no fim das contas, o efeito de impedir o crescimento da escala urbana e, por consequência, reduzir o potencial de crescimento da cidade e da própria região metropolitana.
Do ponto de vista demográfico, além de apresentar as menores taxas de crescimento populacional, o município de Belo Horizonte, quando comparado com a RMBH e o estado, parece estar numa fase mais avançada da transição demográfica. Por exemplo: aqui é encontrada a menor proporção da população mais jovem – compreendida entre 0-14 anos de idade – (apenas 24%) e a maior proporção de população madura – compreendida entre 25-65 anos de idade – (praticamente 50% da população do município)4.
Isto evidencia que a população tem experimentado, precocemente, um franco processo de envelhecimento.
Além dos indicadores econômicos e demográficos, alguns indicadores sociais – quando comparados com os mesmos indicadores das metrópoles das regiões Sul e Sudeste do país – também evidenciam que Belo Horizonte e/ou sua RM enfrentam problemas importantes.
Quando, por exemplo, observamos a renda domiciliar per capita comparada entre as metrópoles brasileiras, verificamos que a RMBH registra a menor renda entre todas as metrópoles do Sul-Sudeste situando-se, inclusive, abaixo da média metropolitana nacional – que é algo em torno de R$ 800,00.
Além disto, a RMBH apresenta uma concentração geral de renda significativamente superior às demais regiões metropolitanas do Sul-Sudeste (com exceção da RMRJ) revelando que aqui, a distância entre ricos e pobres é maior que a distância registrada nestas metrópoles. E apesar dos avanços registrados nos últimos anos (sobretudo em Belo Horizonte que experimentou seguidas administrações populares), a distribuição de renda na RMBH se mantém muito próxima da RM de Fortaleza (que coincide com a concentração média do país) e acima, inclusive, da concentração verificada na RM de Belém.
Por sua vez, a evolução das taxas de criminalidade (destacando-se entre estas a taxa de homicídios) registradas na RMBH a partir, sobretudo, da década de 1990 também ajuda a compor este quadro de avaliação negativa de Belo Horizonte e região nos últimos anos.
Só para termos uma idéia, a ONU define como aceitável, uma taxa de 10 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes. Em 1980, a taxa de homicídios da RMBH já era de 19 por 100 mil – taxa considerada alta para os padrões internacionais, mas ainda inferior às taxas verificadas na RMSP e também na RMRJ (CRUZ, 2010).
Entretanto, em 2004, esta taxa supera a marca de 50 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes, ultrapassa as taxas encontradas nas duas principais metrópoles brasileiras e se mantém neste patamar ao longo do restante da década.
Finalmente, quando analisamos os dados que se referem aos níveis de educação da população jovem e adulta na RMBH, verificamos que eles também não são muito alentadores. Exatamente ao contrário, eles são, de fato, preocupantes porque estratégias e investimentos implementados com o intuito de interferir em indicadores desta natureza, só podem gerar resultados que serão percebidos e avaliados no médio e longo prazos – o que torna necessário o transcorrer de uma ou duas gerações.
No entanto, e ao mesmo tempo, sabe-se que estes mesmos indicadores podem jogar um papel importante no processo atual de localização ou relocalização das novas atividades produtivas e reprodutivas ajudando a compor um quadro geral de maior ou de menor atração (ou ainda de repulsão) aos novos investimentos.
Então, se observarmos as taxas comparadas de analfabetismo entre as regiões metropolitanas brasileiras (para aquela população com idade a partir de 15 anos), poderemos constatar que a RMBH ocupa uma posição incômoda.
Ela está atrás das metrópoles do Sul-Sudeste e atrás, inclusive, da taxa média verificada para o Brasil metropolitano. Novamente, a RMBH só apresenta um desempenho melhor que as metrópoles do Norte-Nordeste do país como Fortaleza, Recife e Salvador.
Se reunimos todos os indicadores destacados até aqui para a RMBH e, esquematicamente, expressamos sua evolução nos últimos anos, temos um quadro constatado e de tendência como o que apresentamos a seguir:
Fonte: elaborado pelos autores.
Este quadro geral que diagnostica tanto uma estagnação da RMBH frente às outras metrópoles brasileiras quanto uma real possibilidade de decadência para o município de Belo Horizonte nas próximas décadas, evidentemente, pode ser reforçado (mas também eventualmente contradito) por alguns outros indicadores não analisados aqui.
Ainda assim, caso os indicadores do grupo A se mantenham nos patamares atuais, isto é: inferiores aos registrados nas principais metrópoles do sistema urbano centro-sul ou, (o que é pior) se eles apresentarem uma tendência de queda absoluta e se, associado a isto, os indicadores do grupo B se mantiverem nos atuais níveis ou apresentarem crescimento real e/ou relativo, é pouco provável que a RMBH sustente sua posição hierárquica dentro da rede urbana brasileira e definitivamente improvável que ela amplie seu espaço de polarização sobre as regiões mais dinâmicas do estado ou do país.
O que talvez não possa ser contradito é que esta conjuntura negativa, ao mesmo tempo em que gerou uma grande pressão sobre os tomadores de decisão de Belo Horizonte e da RMBH, deu origem também a uma base legitimadora real para que as intervenções sócio espaciais planejadas, propostas e/ou efetivamente implementadas nos últimos anos pelas coalizões gestoras recebessem uma imediata aprovação ou, ao menos, o consentimento dos diversos grupos sociais que compõem a trama urbana na metrópole.
Esta outra parte da base que legitima as intervenções sócio espaciais está para além da realidade empírica dos indicadores e é representada por um discurso que, já há algumas décadas, está por trás de, praticamente, todos estes processos concretos de atualização do espaço urbano conhecidos.
E é curioso perceber que estes processos (mesmo sendo fortemente marcados por traços distintivos da realidade local/regional) também são fruto de uma perspectiva sócio espacial comum que prescreve (indistintamente) mecanismos de atualização idênticos em todas as latitudes.
Tal como num iceberg, esta segunda parte da base legitimadora do processo contemporâneo de revalorização do espaço urbano é maior – ainda que menos aparente. E embora ideológica, é tão “real” e penetrante que parece que as intervenções sócio espaciais atualmente em voga se processariam independentemente da existência de uma base legitimadora real traduzida por indicadores socioeconômicos ruins.
Vejamos então como os fatos, as idéias e/ou as ideologias têm produzido realidade espacial concreta na RMBH.
II – O discurso por trás da reestruturação espacial da RMBH
Em 2004, a Prefeitura de Belo Horizonte apresentou à cidade uma proposta de obras para o hipercentro que vinha passando por um processo de obsolescência e, em alguns pontos, experimentando uma verdadeira degradação.
Esta proposta foi chamada de Centro Vivo e se tornou o embrião do amplo processo de reestruturação (aprofundado e ainda em franco desenvolvimento) que temos assistido em Belo Horizonte e na RMBH.
Algumas outras intervenções foram também simultaneamente projetadas, propostas e/ou implementadas pelo governo do estado tendo em vista o espaço mais amplo da RMBH. Dentre estas intervenções podemos destacar algumas que são voltadas tanto para a manutenção e melhoria da infraestrutura urbana existente quanto para a reordenação e reestruturação deste espaço. Por exemplo:
i) a criação da Linha Verde – conexão rápida do centro da cidade ao aeroporto internacional;
ii) a transferência de todo o centro administrativo do estado para a porção norte da cidade;
iii) a construção de um anel rodoviário metropolitano no intuito de desafogar o atual (precário e saturado) anel e, ao mesmo tempo, conectar por via rápida a porção industrial da região metropolitana – Contagem/Betim – ao aeroporto “industrial” de Confins;
iv) incentivo ao desenvolvimento das estruturas de regulação e de governança da RMBH.
Não há dúvida de que estas intervenções, em função de seu caráter e magnitude, deverão produzir impactos muito importantes sobre os transportes, sobre a construção e também sobre os mercados imobiliário e de trabalho da RMBH.
E considerando que, das intervenções apresentadas acima, apenas a terceira ainda não se concretizou totalmente, alguns impactos sobre o espaço metropolitano já podem ser facilmente percebidos como a melhoria da circulação através da Avenida Cristiano Machado – secção da Linha Verde – e a valorização dos imóveis situados no Vetor Norte e adjacências.
Além disto, há também uma série de intervenções urbanísticas de caráter predominantemente intra-urbano em Belo Horizonte que evidencia a existência de uma sintonia fina entre os poderes municipal e estadual. E é muito importante considerar esta sintonia porque uma cooperação entre as diferentes esferas do poder público (sobretudo neste momento em que se destacam as vantagens de uma governança mais ampla e robusta) amplia as potencialidades e reforça o papel sabidamente decisivo do Estado nos momentos de definição/redefinição dos rumos do desenvolvimento da cidade e de toda a região metropolitana. Isto, evidentemente, garante apenas uma maior agilidade na redefinição dos rumos, e não que estes rumos serão necessariamente os melhores.
Na “Mensagem do Prefeito” – carta de apresentação do Planejamento Estratégico de Belo Horizonte 2030 – o atual chefe do executivo municipal Márcio Lacerda (produto desta sintonia fina que referimos) relembra-nos que a partir do processo de redemocratização do país na década de 1980, tem início na cidade um novo ciclo de administrações mais participativas que iniciam o enfrentamento de uma série de questões sociais acumuladas do regime anterior.
Ele, porém, vai mais adiante e ressalta o “alinhamento” inédito que se formou entre as diferentes esferas de governo a partir do início da década:
“Este ciclo foi responsável por construir uma nova relação política, de comunidade e aperfeiçoamento de projetos e por estabelecer um conjunto de programas de enfrentamento das questões urbanas e sociais, notadamente através do Orçamento Participativo e das Políticas Sociais, que começaram a inverter a lógica da exclusão social.
Esse modelo de administração foi bastante fortalecido após 2002. A partir daí, a prefeitura de Belo Horizonte pôde dar início a um trabalho de parceria com os governos federal e estadual, fato que propiciou um ciclo de retomada dos investimentos públicos na cidade, como nunca antes havia ocorrido.” (PBH, 2009. p.2).
Há elementos que evidenciam muito claramente esta cooperação entre (sobretudo) as esferas local e regional do poder político. Dentre estes elementos podemos destacar, além do discurso sempre afinado de ambos no que se refere(ria) às políticas traçadas para a cidade e para o estado,
i) uma série de intervenções urbanísticas e de infraestrutura promovidas no espaço urbano da capital e na RMBH (algumas por iniciativa da prefeitura, outras implementadas pelo estado e ainda outras em caráter de consórcio) – todas, porém, obedecendo a uma mesma lógica;
ii) o lançamento das bases para a construção de um modelo de governança para a região metropolitana – fundamental tanto para Belo Horizonte quanto para a economia do próprio estado e
iii) a elaboração de um planejamento de médio e longo prazos bastante afinado que, além de partilhar dados, informações, perspectivas e metodologias, estabelece estratégias comuns para se atingir resultados também bastante similares apesar das diferentes escalas espaciais e de gestão.
A tabela que construímos e apresentamos a seguir, destaca algumas destas intervenções sócio espaciais efetuadas pelos dois níveis de governo. Para isto, estabelecemos três campos específicos de intervenções (intervenções urbanísticas e infraestruturais, intervenções no aparato de regulação e intervenções na estrutura de governança) e três diferentes escalas territoriais (o hipercentro, a cidade de Belo Horizonte como um todo e a região metropolitana).
Seu objetivo não é inventariar nem analisar cada uma das ações do executivo municipal e estadual na última década, mas tão somente, destacar o elevado grau de articulação entre elas – que tem feito com que os processos sócio espaciais de atualização do espaço urbano na metrópole (que inevitavelmente passam pelos processos de valorização, desvalorização e revalorização do espaço), de um modo geral, se desenvolvam dentro de determinados parâmetros de velocidade e intensidade e, finalmente, atinjam resultados condizentes com o modelo de cidade e de metrópole atualmente propalado pelo planejamento urbano estratégico. A intenção é, a partir de uma série de intervenções sócio espaciais de múltiplos alcances, reunir elementos que indiquem que há um processo de reestruturação do espaço urbano metropolitano em curso na RMBH e que este processo não é espontâneo e nem segue errante. Ao contrário, ele tem sido induzido e orientado por um projeto de cidade.
Todos sabemos que, de tempos em tempos, os processos de intervenção no espaço urbano são inevitáveis porque, para além de qualquer mudança estrutural na sociedade e no espaço por ela produzido, há uma deterioração natural dos materiais que compõem a infraestrutura das cidades.
Portanto, são bastante recorrentes os processos de embelezamento, de manutenção ou mesmo de atualização do espaço urbano implementados, em geral, pelo poder público ao longo do tempo (GOTTMANN, 1964).
Diante das inúmeras intervenções verificadas em Belo Horizonte e em sua região metropolitana nos últimos anos (muitas delas, é importante que se diga, intervenções urbanísticas regulares ou banais), é fundamental identificarmos aquelas que seriam, de fato, intervenções sócio espaciais potencialmente reestruturadoras e que, em si mesmas ou a outras relacionadas, poderiam encerrar uma concepção, um projeto de cidade e de metrópole mais ajustado aos processos contemporâneos de produção e de reprodução que o novo modo de desenvolvimento (ainda em desenvolvimento) preconiza. Fizemos isto, colocando tais intervenções em negrito na nossa tabela.
A partir daí podemos rearranjar as intervenções definidas como potencialmente reestruturadoras em dois grupos distintos (mas necessária e profundamente articulados).
Primeiro, um grupo de intervenções na infraestrutura essencialmente física (“hard) e, em seguida, um outro grupo de intervenções na infraestrutura social (“soft”) que redefine as estruturas de regulação e de governança da metrópole.
Ao nosso ver, as intervenções sócio espaciais listadas na tabela anterior – principalmente aquelas destacadas em negrito –, sobretudo quando vistas de maneira articulada, mais do que qualquer discurso, manifestam uma outra proposta de cidade e também um outro projeto de metrópole.
Poderíamos até dizer que elas encerram uma nova concepção de cidade e de metrópole. Mas em virtude desta virada ter se dado já há algumas décadas em cidades de países de capitalismo avançado e principalmente por ela já ter se transformado em um produto (de exportação) destas sociedades, o que está sendo propalado mundo afora por agências de cooperação, por instituições multilaterais e por consultores internacionais (e, mais recentemente, assumido abertamente pelos governos locais e regionais) como uma nova alternativa de desenvolvimento para espaços urbanos obsoletos ou em processo de obsolescência, não é mais nenhuma novidade (ARANTES, 2002). Ao contrário, é a tentativa sistematizada de modelar iniciativas de reindustrialização, de redinamização econômica e, finalmente, de reestruturação e revalorização de espaços urbanos que foram bem sucedidas aqui e ali.
Observemos, por exemplo, o mapa a seguir:
Ele registra a atual situação hierárquica da RMBH na rede urbana brasileira mais importante: a rede centro-sul. Vê-se, como dissemos anteriormente, que a capital mineira não consegue polarizar o estado como um todo e tem sua influência sobre as regiões Sul, Triângulo e Leste restringida, em função da proximidade e do grande alcance da polarização irradiada, sobretudo, pelas duas metrópoles nacionais (RMSP e RMRJ).
É com esta realidade que as coalizões encarregadas da gestão de Belo Horizonte e de sua região metropolitana têm se deparado nas últimas décadas e seu objetivo ao adotar o “novo” mainstream urbano5 não tem sido outro senão o de reverter esta situação buscando expandir a área de influência da metrópole, sobretudo, na direção destas regiões mais prósperas do estado (e do país) – o que, evidentemente, pressupõe a subtração destas áreas da órbita das metrópoles concorrentes e a sua inserção na zona de polarização da RMBH.
Há mais de uma década, é possível verificar que praticamente todos os esforços de atualização infraestrutural (seja ela física ou social) e de modernização da gestão e da governança na metrópole estão direcionados para a competição interurbana que a RMBH enfrenta nas redes nacional e mesmo internacional.
Referências
O. ARANTES et al. (2002). A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes.
J. BORJA, and M. CASTELLS (1996). Local and global: the management of the cities in the information age. (versión en inglés) Barcelona. Ayuntamiento de Barcelona/ONU-Habitat.
W. J. CRUZ (2010). Os entraves para o surgimento da eficácia coletiva: um estudo de casos em um aglomerado de Belo Horizonte. Belo Horizonte, Departamento de Sociologia e Política da FAFICH/UFMG. (Tese de Doutoramento).
J. GOTTMANN (1964). Megalopolis: the urbanized northeastern seaboard of the United States. Massachusetts, MIT Press.
M. B. LEMOS et al. (2004). Belo Horizonte no século XXI. Belo Horizonte, CEDEPLAR.
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE (2004). Programa Centro Vivo: mais qualidade de vida para Belo Horizonte. Belo Horizonte. Disponível em: www.pbh.gov.br.
_________________________________________ (2009). Planejamento estratégico de Belo Horizonte 2030. Belo Horizonte. Disponível em: www.pbh.gov.br.
R. G. SOUZA (2001). Do arraial à cidade higiênica: a questão sanitária em Belo Horizonte (1897-1930). Belo Horizonte. Instituto de Geociências da UFMG. (Dissertação de Mestrado).